Por: Claudia Ciuffo
Finalmente um seriado que promove a diversidade e a cultura latina vai estrear domingo, dia 6 de maio, na Starz.
“Vida” segue “duas irmãs mexicanas-americanas, Emma (Mishel Prada) e Lyn (Melissa Barrera), que moram do lado leste de Los Angeles, o subúrbio que nunca aparece em filmes e séries. As irmãs não poderiam ser mais diferentes e têm uma relação distante uma da outra. Uma triste circunstância as forçam a voltar ao seu antigo bairro, onde têm que encarar o passado e a chocante verdade sobre o novo amor de sua mãe.”
O interessante é que “Vida” é o primeiro seriado criada por uma latina e onde a maioria das roteiristas e diretoras são mulheres e também latinas. Pensar que estamos em 2018 e que a população de mexicanos e latinos é gigantesca, especialmente no sul da Califórnia é que essa é a primeira série que vai celebrar de fato esta cultura, mostra como os EUA é um pais segregador.
Mas, o importante é focarmos nesta grande conquista que também é relevante para os brasileiros que, assim como os latinos, são muitas vezes mal representados nas séries e filmes produzidos em Hollywood.
Eu tive o imenso prazer de bater um papo exclusivo com a criadora e produtora de “Vida”, Tanya Saracho, no South By Southwest onde a série foi lançada em março. Falei também com as protagonistas Melissa Barrera e Mischel Prada, que são tão fofas como Tanya. Confiram nosso bate-papo. Amanhã publicaremos nossa conversa com os demais integrantes do talentoso elenco deste seriado que promete marcar uma nova e mais inclusiva era para as séries de TV nos EUA, refletindo todas as raças e etnias do país.
Entrevista – Tanya Saracho
CC: Olá!
TS: Oi! É um prazer conhecê-la.
CC: Você é a mente brilhante por trás de tudo isso. Isso é incrível, é uma honra falar com você.
TS: Obrigada!
CC: Eu estava dizendo a eles que sou do Brasil.
TS: Legal! “Brasileira”.
CC: Você fala português?
TS: Não, não, eu só consigo dizer “obrigada”.
CC: Legal, é um começo! O quão legal é, especialmente para brasileiros, ver latinos em um show de televisão…
TS: Você é latina, mas não incluímos você na narrativa, eu sei!
CC: Sim. Eles não entendem o mundo, não sabem o que está acontecendo… Então, vai ser uma excelente oportunidade de mostrar a todos como funciona.
TS: É uma proximidade também, do tipo… Não é exatamente você, mas somos seus primos! Tem um pouquinho disso… Eu acho que, às vezes, o Brasil não é incluído e eu estou falando em geral, da narrativa. Vocês são o maior país da região!
CC: Eu sei.
TS: Eu não entendo. Nós precisamos de um show brasileiro e eu não sou brasileira, então não posso fazer… Mas alguém precisa fazer!
CC: Eu sei! “Narcos” foi escrita por um brasileiro e o ator é brasileiro, mas…
TS: Sim.
CC: E recebeu a indicação para o Golden Globes, mas ainda…
TS: Mas vocês não conseguem sua narrativa, sabe? E é um país tão complicado, tão grande, existem tantos tipos de Brasil. Aqui e ali, tudo é muito diferente.
CC: Você já esteve lá?
TS: Não, mas eu tenho amigos brasileiros próximos em Chicago que sempre falam sobre isso e é muito difícil para eles, porque eles tiveram que aprender espanhol. E o espanhol parece com português, mas…
CC: Mas é completamente diferente. As pessoas sempre me perguntam se eu falo espanhol… E eu não falo espanhol, é completamente diferente.
TS: Sim.
CC: Mas como tudo começou? De onde você tirou esta ideia?
TS: Bom, a ideia veio do Starz, porque eles me trouxeram e disseram: você sabe o que é um “chipster”? E eu disse que sabia, é um “chicano hipster”. Você sabe o que é “gentefication”? E eu perguntei o que era isso, e eles disseram que é a identificação de um espaço latino feita por outros latinos. Isso é tão interessante! Você pode escrever um piloto sobre isso? Eu disse sim. Eu não sabia se podia, mas, naquele momento, eu disse que podia. E então eu me apaixonei pela ideia de concentrar o roteiro em uma família, uma família quebrada… Até menos, em duas irmãs e em ver aquele mundo de “gentefication” sendo colocado em prática. Sendo colocado em ação através delas. E, na primeira temporada, você nem entende completamente, você só começa a mergulhar neste mundo. Espero que a gente consiga uma segunda temporada e, então, nós vamos realmente nos aprofundar nisso. Mas foi assim que começou, foi como uma tarefa. Eu não dei a ideia, eles trouxeram a ideia para mim.
CC: Isso é tão legal!
TS: Sim. Mas eu venho escrevendo peças pelos últimos 17 anos e, em 14 delas, eu acho que eu só tenho dois ou três personagens masculinos. Então, sempre foram histórias centradas em mulheres e latinas, sempre latinas. Assim, eu pensei: eu só vou aplicar o que eu venho fazendo para o teatro para isso, porque é a única coisa que eu sei. Então, reflete o trabalho que eu venho fazendo.
CC: Esse é o seu primeiro piloto?
TS: Sim, é o primeiro.
CC: Não acredito!
TS: É o meu primeiro.
CC: Você está brincando? Isso é incrível, você é um gênio!
TS: Ah, obrigada! Venha ver a minha peça!
CC: Você é tão talentosa.
TS: Obrigada.
CC: Onde é a peça, em Chicago?
TS: Você mora em Chicago?
CC: Nova York e LA.
TS: Sim. Eu tive uma peça em Nova York no ano passado e neste ano em Chicago. Mas, no momento, eu não tive a chance de escrever nada novo por causa do programa. E, agora, a Starz me deu um contrato completo, o que significa que eles são a minha casa pelos próximos três anos.
CC: Isso é incrível.
TS: E é tão raro para uma latina!
CC: Eles são pessoas legais.
TS: Eu não estou dizendo só porque eles são meus chefes, mas eles me deram suporte em cada curva do caminho. Quando eu disse que queria um time de escritores completamente latino, eles concordaram. Eu quero que somente latinos ou mulheres dirijam, eles concordaram. Eu quero esta latina, da segunda unidade de “Narcos”, para ser minha diretora de fotografia. Ela é colombiana e nunca fez isso antes. Eles concordaram. Eles tiveram fé no projeto desde o começo e eu poderia ter feito tudo muito errado. Eu poderia, sabe? Mas, agora, nós ainda estamos vivos e nada explodiu, então, isso é bom. Estamos todos felizes aqui, nossa estreia chegou no SXSW, então é bom.
CC: É a sua primeira vez aqui?
TS: Sim, para todos nós.
CC: É legal ver rostos novos.
TS: É lindo e eles são lindos. É uma família e construir isso, porque é a primeira vez de todos… Pode mudar em três temporadas ou algo assim, mas eu estive no set todos os dias. Às vezes os showrunners não estão, mas eu pensei: “Essa é a minha primeira vez e eu preciso estar aqui para cada cena que filmarmos”. Então, nós estávamos trabalhando… Estávamos nas trincheiras juntos. Foi adorável.
CC: Então, você estava escrevendo o show e estava no set ao mesmo tempo? Como você fez isso?
TS: Nós terminamos de escrever a maior parte antes de começarmos a filmar – exceto pelo último episódio, que não estava pronto. Então, eu ia para o meu trailer terminar e voltava… Eu levei um bom tempo para terminar o último episódio, mas estou muito orgulhosa dele porque nós terminamos de editar ontem e ficou tão bom!
CC: Eles estão assistindo isso pela primeira vez aqui, com uma audiência?
TS: Sim, eu fiz uma coisa maldosa para eles (risos). Para que eles possam se ver.
CC: É incrível, ver com a surpresa da audiência.
TS: Eu teria mostrado para eles em um computador, porque é a única forma que tínhamos. Então, eles poderem ver assim e ver o ótimo trabalho… Você já viu?
CC: Só o trailer.
TS: Porque eu sei que estão distribuindo… Mas eles vão ver todo o árduo trabalho que tiveram valer a pena. Houve coisas que eles nunca questionaram, mas talvez estivessem pensando se iam funcionar. Eles vão ver que tudo funciona!
CC: Isso é incrível!
TS: É tão bom.
CC: Tantas boas notícias, estou empolgada por vocês!
TS: Muito obrigada.
CC: Por você, especialmente. Você já tem uma ideia para um próximo projeto?
TS: Sim! Estou trabalhando em um projeto chamado “Brujas”.
CC: Brujas?
TS: Sim. É assim que vocês as chamam? Do que vocês chamam as brujas?
CC: Sim.
TS: E é sobre garotas afro-caribenhas e millenials de Chicago que começam a fazer bruxarias pelo feminismo. É meio que baseado em uma das minhas peças, chamada “Enfrascada”, mas agora eu acho que o título “Brujas” é melhor. É mais forte. Mas é, basicamente, baseado em uma peça bem antiga. Eu sou praticante de um pouquinho de bruxaria… Eu só acendo algumas velas, leio as minhas cartas. Mas isso está voltando e é como uma arte antiga de cura e xamanismo…
CC: E está voltando!
TS: E mulheres mais jovens estão praticando, e meio que misturando com esse olhar feminista que eu estou realmente interessada em explorar em um show assim. Meia hora…
CC: Um drama de meia hora. Eu gosto disso.
TS: Sim, um drama de meia hora. Eu gostaria que fosse mantido em meia hora, mas eles têm que confirmar, certo?
CC: Sim, eles têm que dizer alguma coisa.
TS: Porque eu espero que as pessoas não vejam como um drama ou uma comédia e só queiram assistir esse bom show por meia hora. Mas temos que ter uma definição.
CC: Sim, temos, infelizmente.
TS: Para mim, é só meia hora!
CC: E qual é a mensagem que você espera que as pessoas recebam?
TS: Eu tenho dois caminhos para isso: eu quero que a audiência de não-latinos saiba que nós somos iguais a eles e que essas garotas poderiam existir no círculo deles, na órbita deles. Porque essas são garotas americanas e nós nos esquecemos disso porque é um show latino. Elas são de segunda geração, elas nasceram aqui. Por que nós só pensamos nelas como imigrantes? Não!
CC: Por que eles as chamam de latinas? Elas são americanas.
TS: Certo! Estão enraizadas em uma tradição e uma cultura, mas essas garotas são americanas. Então, eu quero que eles entendam isso. E, para a audiência latina, eu dediquei a eles todos os termos, toda a termologia como “Pocha” e… Porque nós nunca conseguimos ouvir essas palavras. Não “Pocha”, não “Coconut” e “Whitena”, todas essas coisas. Então, isso é muito importante para mim. Eu construí a minha peça da mesma forma, do tipo, você vai ganhar isso e você vai ganhar isso… E eu espero que as pessoas assistam!
CC: Elas vão. Eu farei o meu melhor para ajudá-la. Muito obrigada!
TS: Eu que agradeço.
Entrevista – Melissa Barrera e Mishel Prada
CC: Olá. Meu nome é Claudia.
MB: Sou a Melissa.
MP: E Mishel, é um prazer conhecê-la.
CC: Show incrível.
MB: Obrigada! Você já assistiu?
CC: Eu vi o primeiro look e o trailer, mas eu amo a ideia porque eu sou do Brasil e eu não sei se a audiência brasileira… Eles estão tão acostumados com os shows americanos, mas eles não conhecem a comunidade latina. Eles não sabem muito sobre isso.
MB / MP: Sim.
CC: É um show real sobre pessoas reais. Como vocês se sentem a respeito, podem me dizer?
MB: Nós estamos muito empolgadas.
MP: Muito empolgadas.
MB: Nós também não vimos ainda. Nós vamos ver amanhã pela primeira vez.
MP: Amanhã, com todo mundo.
MB: Mas nós confiamos no trabalho que fizemos. Foi um show tão lindo de filmar e a família que foi criada é algo muito especial. E eu acho que é isso que acontece quando você tem um show que é feito por latinos e para latinos, primordialmente. E é verdade, é sobre seres humanos reais. Não são estereótipos, normalmente com os traficantes, ou as pessoas sexy, ou o jardineiro e a empregada, ou qualquer outro. Mas, desta vez, nós somos só pessoas. E nós somos uma comunidade de latinos que vivem em Los Angeles, mas, no final, é uma história sobre amor, família e sobre tentar entender quem você é neste mundo e como você se encaixa.
MP: Sim. Reconciliar-se uma com a outra, com sua família e também com você mesma, o que é, às vezes, mais difícil do que reconciliar-se com outras pessoas.
CC: É preciso muito tempo e terapia para fazer isso!
MP: Eu sei! É mais fácil se mudar para longe e não ter que lidar com isso.
CC: O que vocês podem nos dizer sobre os seus personagens? Eu sei que vocês acabaram de filmar a primeira temporada e que não podem dizer muito, mas o que podem dizer?
MB: Bom, nós interpretamos irmãs.
CC: Eu sei, e vocês não se dão bem!
MB: Sim, nós não nos damos bem no começo. Como irmãs de verdade fazem, às vezes nós brigamos, e somos muito diferentes. Eu interpreto Lyn, a mais nova das irmãs e ela é a alma livre, sem preocupações, que está passeando pela vida, festejando pela maior parte. Molhando seus pés em todas as piscinas, vivendo com o dinheiro de todos os seus namorados ricos e brancos porque é assim que ela entende que pode se virar na vida. Se ela seduz homens brancos com suas qualidades latinas exóticas e cor da pele… E é assim que ela tem vivido a vida, sem querer ter muitas preocupações e sem querer realmente trabalhar por nada. Então, quando ela tem que voltar para casa, ela tem que encarar a realidade, quem ela realmente é e de onde ela vem. As duas fugiram, deixando o lar para trás.
CC: Elas estão voltando para casa? As duas saíram, certo?
MP: Elas têm que se ver por quem realmente são. Eu acho que isso é o que é realmente interessante.
MB: E é por isso que elas batem de frente.
MP: Porque elas estão, tipo, “Não, não olhe aqui”… Elas estão tão acostumadas a voltar para as personas que criaram e, quando a Lyn olha para a Emma, ela sabe o que está acontecendo lá. E a Emma olha para a Lyn e pensa: “Não, você não vai escapar com esse comportamento comigo”. Então, tem esse tipo de faísca na situação.
CC: É por isso que elas brigam, com certeza.
MP: Sim, 100%.
CC: E sobre o seu personagem?
MP: A Emma é muito focada e, ao invés de viver no reino das emoções, que é um pouco bagunçado, imprevisível e incontrolável, ela vive em um mundo totalmente racional. Sabe, matemática, 1+1 = 2 e é assim que é. E, se não é, você é um idiota e eu vou achar alguém que entenda para fazer isso. E o lado leste de LA não funciona desta forma, nem um pouco, como sabemos. A maior parte da América Latina não funciona desta forma!
CC: Sim! O Brasil também.
MP: Eles são, tipo, “este plugue parou de funcionar, então nós colocamos uma fita…”. Mas por que você não compra outro plugue? Eu não sei, funciona assim! Então, para ela, isso deixa ela maluca. E a Lyn representa isso também.
MB: Elas são o cérebro e as emoções.
MP: Sim. E ela é do tipo: “Não, não, não, nós lidamos com os números, com isso e aquilo”. E eu acho que o que veremos com elas é que, essencialmente, elas realmente precisam uma da outra. O coração precisa do cérebro, o cérebro precisa do coração e, juntas, elas são tão mais fortes. E eu acho que a Emma está convencida de que ela pode viver como uma ilha. Então, a ideia de que ela precisa de alguém como a Lyn é insana. Mas ela precisa.
CC: Vocês se reúnem por uma razão muito interessante. A mãe de vocês falece e, então, vocês descobrem que ela era casada com uma mulher. A comunidade LGBT é muito bem-representada no show. O que vocês pensam a respeito?
MB: Como personagem ou como atriz?
CC: Os dois.
MB: Como atriz, eu acho que está mais do que na hora de termos este tipo de representação na TV. É mais do que justo e é lindo. Nós vamos ver muitas novas vozes que ainda não foram ouvidas nestas histórias e eu espero que este show normalize a ideia e desperte conversações na audiência americana. Eu não sei, eu acho que é hora de seguir adiante. Nós estamos seguindo nesta direção, mas vagarosamente.
MP: Muito devagar.
MB: E eu acho que este é o show perfeito para começar a fazer isso, especialmente porque os personagens latinos não são normalmente representados desta forma, nem um pouco. E, como a personagem, eu acho que a Lyn representa a parte do mundo que tem um irmão, uma irmã, um primo, um amigo, uma mãe ou um pai que é parte desta comunidade e que recebe suporte, 100%. Ela vê isso na Emma porque ela viu na mãe dela, e na Eddy, e ela está super bem com isso.
MP: Ela não vê como um grande problema.
MB: Sim. Como a Lyn é totalmente ligada ao amor – ela sempre precisa de alguém – ela está ok com o fato, ela entende. Tipo: “Eu preciso de alguém constantemente para amar, então, quem sou eu para julgar quem ela quer amar ou quem ela quer amar?”, sabe?
MP: Um espírito livre, sim.
MB: Esta é uma das qualidades que trazem redenção à Lyn, porque ela é muito solidária neste sentido.
MP: Eu acho que, com a Emma, muito do ódio que ela direciona a Eddy é só o que ela sente a respeito dela mesma. E eu acho que Eddy também representa a pessoa que ela nunca chegou a ser, por ser muito aberta, capaz de se apaixonar, se casar e todas essas coisas que a Vidalia, mãe dela, nunca realmente passou para a Emma. Então, existe muita dor e ressentimento. Ela volta para casa pensando que vai vender o prédio e faz as contas e, então, é como uma flecha direto na parte mais sensível, mais delicada, mais escondida dela. Logo no começo. E, então, tudo o que ela faz é tentar construir o muro de volta, mas a represa está prestes a quebrar.
CC: Vai ser muito interessante ver isso!
MP: Sim, e ver o que acontece, o que pode acontecer com alguém quando eles não estão… Quando estão desenvolvendo, crescendo e aprendendo sobre sua sexualidade, explorando com suporte ao invés de se sentir mal por quem são.
CC: Eu estou empolgada para assistir, estou mesmo. Eu estou muito empolgada com este show.
MB: Você virá no domingo?
CC: Sim.
MB: Eba, nos vemos amanhã! Legal.
CC: Muito obrigada!
Palhinha:
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