Sou fã de Saoirse Ronan desde que assisti “Desejo e Reparação”, que lhe rendeu a primeira indicação ao Oscar, ainda criança, em 2007.
Eu lembro da minha emoção quando a vi pessoalmente, na exibição de “Brooklyn”, na CAA. Foi minha estreia nas screenings na agência que empresaria grandes estrelas em Hollywood, há 10 anos. Desde então, sou frequentadora assídua dos eventos na CAA, mas só agora, depois de uma década, tive o prazer de rever Saoirse lá, em uma sessão especial do filme “The Outrun” (A Fuga), protagonizado e produzido por Ronan, que participou de um papo depois da sessão e do coquetel que rolou para celebrar seu novo sucesso.
Para a minha alegria, no dia seguinte, voltei a revê-la no painel de “The Outrun” no Deadline Contenders.
Saoirse Ronan é uma daquelas atrizes que escolhem bem seus projetos e podem fazem qualquer coisa, drama, comédia, que roubam a cena na telona. Mas a experiência de interpretar uma alcoólatra e produzir o filme foi especial para a atriz, como ela mesma disse, e a gente pode ver o resultado do seu empenho refletido na telona. Saoirse está brilhante em “The Outrun”.
Baseado em uma história real, “The Outrun” (A Fuga) acompanha a jornada de Rona (Saoirse Ronan) para se recuperar do alcoolismo. Ela sai da fazenda dos pais nas Ilhas Órcades, na Escócia, ainda aos 19 anos para morar em Londres, onde ela encontra um grande amor, além de desenvolver uma caso severo de dependência química pelo álcool, que provoca múltiplas consequências em sua vida, incluindo o fim de seu relacionamento com Daynin (Paapa Essiedu), traumas físicos e mentais. Depois de cumprir o primeiro passo do programa intensivo no Alcóolicos Anônimos, ela volta para a casa dos pais, onde se reconecta com a paisagem e com suas origens para fazer as pazes consigo mesma. Fonte: AdoroCinema
Confiram abaixo uma compilação dos nossos encontros com Saoirse, na CAA e no Deadline Contenders, e tudo que ela falou sobre esse projeto que é muito pessoal para atriz, que contou como sofreu por tabela as consequências do alcoolismo.
Como tudo começou:
“O Jack (Lowden, marido de Saoirse) tinha feito uma viagem as ilhas na Escócia, onde se passa o filme, e ele comprou o livro (The Outrun, escrito por Amy Liptrot), mas nunca tinha lido até a pandemia, quando ficamos trancados em casa e lemos 3 livros por semana. Ele leu e me deu dizendo que eu deveria considerar produzir um filme baseado no livro e interpretar a personagem. Ele sabia que o alcoolismo é um assunto muito próximo na minha vida. Uma pessoa que eu amo muito sofre da doença, e esse é um universo que eu conheço bem. Além disso, a ideia de produzir o filme na Escócia era um objetivo nosso (Jack é um ator escocês) já que a gente já viu vários filmes sobre nossos países (Saoirse é irlandesa), que não refletem a realidade, filmes que são basicamente a leitura de um estrangeiro sobre nossos países, sabe?! E a gente queria fazer um filme sobre aquela ilha, mostrar as pessoas que vivem lá, a verdade, não uma versão hollywoodiana de uma ilha na Escócia.”
A catarse de contar uma história pessoal:
“Alcoolismo era o mostro na esquina que eu não lidei por muito tempo. Mas, eu sabia que eu tinha que lidar em algum momento. Só que eu estava muito confortável na minha posição de ter raiva e muita mágoa de viver as consequências da doença, essa era a minha zona de conforto. Eu fiquei nesse lugar por muito tempo. E, eu não acho que foi uma coincidência que eu decidi fazer esse filme em um momento que estou me sentindo amada e que tenho suporte na minha própria vida. Não é fácil mexer nesse assunto, mas foi necessário pra mim.Eu estaria mentindo pra você se eu te dissesse que eu perdoei tudo que eu vivi, e que está tudo bem, que zerei os problemas. Não é assim que funciona. Esse é um processo contínuo, tanto para uma pessoa que está em recuperação, como para os familiares. Mas eu consegui humanizar mais a situação, sair do lugar de raiva que eu vivia, e isso foi um presente pra mim.”
Livro x Filme:
“Eu e Amy (a autora do livro) sentimos a necessidade de estarmos conectadas criativamente desde o início. Ao mesmo tempo, Nora Fingscheidt, nossa diretora, queria muito que a gente improvisasse e desconectasse um pouco o filme do livro. Então, em termos de personagem, a Amy e a Rona são muitos diferentes, nós até mudamos o nome da personagem por isso também, o que criou uma distância saudável entre a realidade e a personagem. Foi importante para a Amy também porque deu a ela a sensação que essa história é maior que a jornada dela. Era isso que ela queria quando que escreveu o livro.”
Improvisação:
“A improvisação foi uma coisa que veio muito naturalmente pra mim, eu era aquela criança que entrevistava a mim mesma, sabe?! *aplausos* Ah, eu sabia que mais gente na plateia já tinha feito ou faz isso. Risos! Improvisar pra mim não é difícil mas, ao mesmo tempo, eu gosto de estrutura e de direção também. Então desde o início, Nora e eu conversamos muito sobre isso, até porque era importante criarmos um método, ainda mais porque estávamos trabalhando com muitas pessoas que não são atores. Uma estrutura era importante para isso. Por outro lado, ao improvisar, eu tinha a chance de ser a autora das cenas e editá-las enquanto rodávamos. Foi incrível, uma experiência que eu nunca tinha tido antes.E o improviso foi uma técnica perfeita para esse trabalho, já que a não tem técnica para interpretar a trajetória dessa performance, até porque a personagem ou está bebada, ou de ressaca ou deprimida, ela vive o caos e a improvisação cabe no caos. Quando eu percebi isso e me joguei, sem medo de improvisar, ficou mais fácil pra mim interpretá-la. Foi uma experiência maravilhosa.”
Produzir pela primeira vez:
“Produzir esse filme foi um aprendizado. Eu trabalho como atriz há mais de 20 anos e já tive todo o tipo de experiência. Então, pra mim, foi uma oportunidade de usar tudo que eu aprendi até hoje e chegar no set e conversar com a equipe, perguntar como eles estavam se sentindo, se eles estavam precisando de alguma coisa. Assim como, conversar com os atores. Eu já trabalhei com diretores que sabiam conversar com atores e outros que não sabiam. E eu sei a diferença e sei como é bom ter uma troca positiva, trabalhar com diretores que e entendem o universo. Eu acho que mais pessoas criativas devem produzir filmes, como a Greta Gerwig, o Bradley Cooper. Faz muita diferença ter alguém que sabe fazer essa conexão no comando.”
Fazer o parto de uma ovelha:
Olha, foi mais difícil do que parece. Essa sequência a gente rodou 5 meses antes de rodar o filme. E eu estava morta, tinha acabado um outro projeto, mas hoje eu vejo como foi importante para o filme, porque foi uma forma de encontrar a personagem e tomar várias decisões com a equipe que foram importantes e nos ajudaram muito quando começamos a rodar o filme de fato.Mas vou dizer que não é nada fácil fazer o parto de uma ovelha. Foi um consultor de 23 anos, que cuida de 3 fazendas na região, que me ajudou. Mas a ovelha tem a força de uma pessoa, e eu tive que correr e segurar ela, colocar ela no chão e puxar o cordeiro foi um processo. Morri de medo de fazer uma besteira e acontecer uma tragédia. Fiquei aliviada que deu certo. O momento é lindo, mas também meio trágico e muito caótico, o que é um paralelo à jornada da personagem.
No final, essa cena foi perfeita até pra definir qual seria a minha versão da Rona, como seria o visual dela. E agora já posso dizer que eu fiz o parto de uma ovelha, que não é pra qualquer um. Risos.”
Como muitos filmes da carreira de Saoirse, “The Outrun” cortou meu coração, mas me encheu de esperança também. No filme, assim como na vida, não é fácil recomeçar, ainda mais enfrentado um vício, mas é possível viver um dia de cada vez.
A fotografia é linda, os atores são talentosos e os não atores dão o realismo necessário ao filme, assim como o parto da ovelha (precisa ver para entender). Mas é Saoirse Ronan que rouba a cena e, tanto nas horas de barulho, como nos momentos de silêncio, nos faz sofrer, chorar, sorrir e renascer com a sua Rona. Imperdível!