George Clooney uma vez disse que é possível fazer um filme razoável com um excelente roteiro e um elenco fraco, mas é impossível fazer um filme ok com um péssimo roteiro, mesmo com um elenco excepcional.
Concordo com Clooney. Sou uma apaixonada por roteiro, tanto os originais, como os adaptados. Ao contrário do que muita gente imagina, existem técnicas para se escrever o que é a base de um filme, e não é fácil. Eu fiz cursos de roteiro no Brasil e nos EUA, como hobby, não profissão, e fiquei fascinada com tudo que aprendi.
Esse ano eu tive o privilégio de participar do painel dos roteiristas indicados ao Oscar, tanto na categoria melhor roteiro original, como melhor roteiro adaptado, no Santa Barbara International Film Festival.
Foi uma honra ouvir de Daniel Scheinert, roteirista e diretor de “Tudo em Todo o Lugar ao mesmo Tempo”, que reuniu alguns colaboradores para contar a ideia deste que virá a ser o filme mais celebrado dessa temporada de premiações. A ideia era compartilhar a estória em 15 minutos, que se transformaram em 2 horas. Ao final, o editor do filme (que também está indicado, sendo um dos favoritos pra levar a estatueta), estava chorando, “foi nesse momento que olhei pro Daniel (Kwan, que não pode ir ao evento) e pensei, acho que esse filme pode dar certo. Ele concordou. E que bom estamos aqui. A recepção foi melhor que eu imaginava”.
Tony Kushner que escreveu “Os Fabelmans” com Spielberg, tem uma longa parceria com o diretor, confessou: “a gente já brigou muito, eu sou muito estressado, mas esse filme é sobre a família dele, uma homenagem à mãe dele, então foi diferente, eu dei mais crédito a ele”, disse rindo.
Já Todd Field reforçou o que eu já tinha ouvido ele dizer em eventos em LA e na homenagem à Cate Blanchett na noite anterior no festival, “esse filme foi da Cate, escrevi pra ela e sua atuação elevou o roteiro. Poucos atores têm o potencial de fazer isso. Cate é a melhor que existe”.
E Martin McDonagh, que escreveu o brilhante “Os Banshees of Inisherin”, falou que tinha engavetado esse roteiro há anos, mas, depois que terminou um relacionamento amoroso, ele resolveu revisitá-lo, “eu levei um fora, fiquei muito mal, deprimido, e peguei esse roteiro e reescrevi pra melhorar a minha fossa. Acho que por estar sofrendo essa separação, encontrei o tom e funcionou”.
Agora, quem realmente arrancou gargalhadas da plateia foi Ruben Östlund (“Triângulo da Tristeza”), com a sua sinceridade e seu ótimo humor. “Antes de escrever o roteiro, eu conto a ideia pra todo mundo que eu conheço e não conheço, amigos, familiares, meus alunos (ele dá aula de cinema em uma universidade), falo pra pessoas no elevador, na fila do banco, e ouço as sugestões e dicas de todo mundo. Só depois que falei exaustivamente sobre o filme, sento pra escrever e incorporar as sugestões e dicas de todo mundo. Nesse filme, usei uma passagem da minha vida, que é a cena onde o casal discute, pois o homem da relação acha que a mulher deve pagar aquele jantar porque ela havia prometido. Aquilo realmente aconteceu quando eu e minha agora esposa namorávamos. E uma das melhores sugestões que recebi foi de um aluno meu, a personagem central do terceiro ato era um homem e ele me disse que funcionária melhor se fosse mulher. É um dos pontos altos do filme. Obrigada todos que contribuíram”, disse ele às gargalhadas.
Já os feras indicados na categoria roteiro adaptado contaram um pouco sobre o processo de criar o roteiro baseado numa estória que já foi escrita, o que realmente não é fácil.
Rian Johnson (“Glass Onion: Um Mistério Knives Out”) gosta de se trancar no escritório, se concentrar e, sem interrupção, escrever o roteiro: “eu fico muito ansioso, preciso tentar terminar o mais rápido possível pra parar de sofrer. Isso soa estranho, né? Se eu sofro, porque eu faço isso da vida? Já me perguntei isso, mas não conseguiria fazer outra coisa. Amo isso!”.
Já a responsável pela adaptação do livro “Entre Mulheres”, Sarah Polley, vive o oposto de Rian, “eu tenho três filhos pequenos, minha casa é uma loucura. Eu escrevo nos intervalos, quando as crianças estão dormindo, ou coloco elas pra brincar do meu lado e enquanto estão distraídas minhas ideias vão fluindo. Eu me eduquei pra trabalhar no caos. Acho que muitas mães fazem isso, independente da profissão. A gente vai se virando e conseguindo realizar as tarefas ao mesmo tempo”.
Lesley Paterson, uma das roteiristas do aclamado filme alemão “Nada de novo no front”, maratonista profissional, compartilhou que deixava as ideias fluírem enquanto participava de competições, “esse projeto existe na nossa mente há muito anos, tentamos produzí-lo antes muitas vezes e não acontecia. Quase desistimos, aliás, teve momentos que deixamos de lado mesmo, eu investi na minha vida de maratonista, até acontecer essa oportunidade. Aí foi aproveitar os treinos pra dar um gás no roteiro. Tudo acaba acontecendo na hora certa”.
Kazuo Ishiguro, indicado por “Living”, falou sobre a importância de ter atores excepcionais, assim como Todd Field. Ele credita a Billy Nighy, que também está indicado na categoria melhor ator pelo filme, como o grande responsável pela repercussão desse projeto, “é um filme de ator, por mais que tenha me dedicado pra adaptar da melhor forma possível essa estória tão sensível, o Billy deu um tom extraordinário aquelas palavras. Foi um grande encontro”.Kazuo e Todd estão certos em celebrar a performance de Blanchett e Nighy, mas George Clooney diria que os atores elevaram um roteiro brilhante a um roteiro ainda mais magnífico. Esses profissionais são a alma do cinema. Foi um dos melhores eventos em que já estive em todas as award seasons que participei nos últimos 10 anos, pois foi a primeira vez que fiquei frente a frente com 9 dos 10 indicados nesses categorias. Foi tão genial quanto os roteiros escritos por eles!
Muito bom conhecer o processo criativo de cada um. Gostei.