Março, 2020. Atordoada e com medo das fronteiras nos EUA fecharem por conta da pandemia do coronavírus, arrumei minhas malas correndo e vim para o Rio de Janeiro. Uma coisa eu já tinha decidido, para viver o apocalipse que o mundo se tornou depois do surgimento desse inimigo invisível, eu queria estar no Brasil, próximo a minha família e aos meus amigos, no lugar onde nasci e cresci.
O aeroporto de Austin mais parecia uma cidade fantasma. O voo até Houston, com a maioria das poltronas vazias, denunciava a triste realidade, o SXSW o maior festival que reúne entretenimento, música e tecnologia do mundo, e acontece anualmente na cidade, tinha sido cancelado por conta do Covid-19 e o país entraria em um longo período de isolamento social.
Em Houston, peguei um avião lotado de brasileiros que, como eu, estavam ansiosos para voltar pra casa e viver esse caos, na sua terra natal.
Como meus pais tem mais de 70 anos e fazem parte do grupo de risco, eu estou fazendo quarentena no apartamento de amigos generosos que me cederam seu palácio, até eu ter certeza que posso retornar pra casa, não arriscando a saúde deles.
Passo muito bem, e estou aproveitando intensamente esse período de isolamento social, fazendo o que mais gosto: “hanging”. Essa palavra não tem uma tradução exata em português, mas digamos que significa “relaxar fazendo o que gosta”, no meu caso assistindo novelas, séries, filmes, o canal Viva, o Big Brother Brasil. Além disso, colocando a leitura e o papo em dia com os amigos que falo sempre e com aqueles com quem não me conectava há séculos. Graças à tecnologia, que tem sido uma ótima e útil ferramenta para esses dias que têm passado mais rápido do que eu imaginava.
O coronavírus mudou a rotina do mundo, mas, como parte do meu “Hang”, tenho observado fascinada a adaptação das pessoas à nova realidade. Nada me entretém mais do que, à distância, perceber o comportamento humano através dos posts das pessoas nas redes sociais e mesmo das mensagens no WhatsApp. Admito, sou uma voyeur da sociedade. Vejo gente que sempre reclamou da falta de tempo, gente que reclamava que trabalhava muito e não tinha tempo pros filhos, agora que tem a oportunidade de trabalhar em casa continua distante da família. Outros que até curtiam a solitude, e passar dias preguiçosos em casa, agora estão desesperados pra sair, só porque não podem sair e assim percebo que o não causa um impacto profundo na psique do ser humano.
Tem ainda aqueles que moram em uma casa confortável, com TV a cabo, e têm condições financeiras de encomendar comida e fazer compras de supermercado online e reclamam constantemente de tédio… mesmo sabendo que tem tanta gente passando por dificuldades financeiras sérias, gente colocando a vida em risco nos hospitais para salvar outras vidas, gente que não se pode dar ao luxo de viver o tédio deles, pois não podem fazer quarentena.
Tem ainda pessoas que consomem tanta informação sobre os perigos do vírus que mergulham num processo ansioso, dificultando ainda mais seus dias de isolamento. Sem contar com aqueles que são controladores, planejam a vida nos mínimos detalhes, e agora, que não conseguem brincar mais de ser Deus, estão desesperados por terem descoberto quão vulneráveis somos nós, meros mortais….
Assim, tenho observado que talvez um dos maiores desafios da humanidade seja mesmo administrar seu tempo com maestria, evitando as neuroses e investindo na flexibilidade e nos prazeres, inclusive o de alimentar a mente e a alma com as mais singelas maravilhas do cotidiano, que, no momento, devemos observar pela janela. A janela do nosso lar e a janela da nossa alma. Algumas janelas que não sabíamos que existiam, outras que nos acompanham há anos. Nunca foi tão importante, essencial até, nos debruçarmos nas janelas.
Por isso, para o mês de abril, que já começa com a realidade do isolamento social, nada melhor que a reflexão de dois grandes poetas sobre a janela, porque uma vez que você descobre o prazer do “hanging” no parapeito da janela da sua casa, você aprende a usar melhor seu tempo, aprende a expulsar o tédio, aproveitar o home office. Aprende que não controlamos nada, nunca, e aprende também como é prazeroso passar menos tempo nas redes sociais e mais tempo desenhando, pintando, escrevendo, se reinventando, cantando, dançando, amando, sozinho ou acompanhado, na sala da sua casa. Aprende a escancarar as janelas e sentir a brisa e a inspiração que o mundo, apesar dos pesares, nos oferece diariamente.
Eu, que mesmo sem quarentena, sempre curti uma janela, compartilho alguns momentos que capturei das janelas nas quais me debrucei.
“Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
– para que possas profundamente respirar.”- Mário Quintana“Descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.” – Machado de Assis ASSIS, M., Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Que seus dias em abril sejam abençoados com paz, e que o planeta Terra aproveite para renascer depois desses dias de folga (necessária, por sinal) que estamos dando a ele. Que o Covid-19 vire passado e que a humanidade leve de herança a capacidade de valorizar o tempo, do abraço e, mais que tudo, de viver o presente, sem a escravidão de fazer planos, em sua própria companhia.
“A verdadeira liberdade é um ato puramente interior, como a verdadeira solidão: devemos aprender a sentir-nos livres até num cárcere, e a estar sozinhos até no meio da multidão.” – Massimo Bontempelli
Para minha irmã, Dani, meu anjo de guarda, que passou muito rápido por esse mundo, mas deixou sua energia me fazendo companhia nesses últimos 42 anos. Feliz Aniversário! 💖