SINOPSE: Para Jack, um esperto menino de 5 anos, o quarto é o único mundo que conhece. É onde ele nasceu e cresceu, e onde vive com sua mãe, enquanto eles aprendem, leem, comem, dormem e brincam. À noite, sua mãe o fecha em segurança no guarda-roupa, onde ele deve estar dormindo quando o velho Nick vem visitá-la. O quarto é a casa de Jack, mas, para sua mãe é a prisão onde o velho Nick a mantém há sete anos. Com determinação, criatividade e um imenso amor maternal, a mãe criou ali uma vida para Jack. Mas ela sabe que isso não é suficiente, para nenhum dos dois. Então, ela elabora um ousado plano de fuga, que conta com a bravura de seu filho e com uma boa dose de sorte. O que ela não percebe, porém, é como está despreparada para fazer o plano funcionar.
Embora a narrativa de QUARTO seja feita por uma criança de 5 anos, a compreensão do que ela descreve, de forma inocente e distante do que realmente acontece, só pode ser feita por um adulto. E quando isso acontece, é angustiante, revoltante, causa repulsa a ponto de criar lágrimas.
A leitura da história de Jack e sua mãe, cujo nome nunca é revelado, não é fácil. A autora não tem pressa em soltar as pontas que transmitem ao leitor o tamanho do sacrifício que a mãe é obrigada a suportar para manter Jack vivo e longe do Velho Nick, o monstro que os aprisiona. E quando solta, faz de forma sútil, mas chocante. Por exemplo: nas noites em que Nick desce ao quarto, Jack dorme dentro de um armário, sem visão do que acontece. Ele apenas ouve o ranger da cama e o silêncio de sua mãe, e fica contando quantas vezes as molas do colchão soltam chiado.
A cada revelação feita por Jack sobre o ambiente que o cerca e sobre as condições físicas de sua mãe, deterioradas devido as tentativas de fugas e de manter o Velho Nick longe, o estômago revira. E na metade do livro, quando ela, finalmente, consegue elaborar um plano para escapar, e que funciona na base da sorte, o leitor pensa que a história ficará mais leve, mas se engana. Porque a partir daí, acompanhamos a dura adaptação de Jack e sua mãe ao serem inseridos no mundo: ela, novamente; ele, pela primeira vez.
Os dois, cada um a seu modo, precisam enfrentar a vida fora do quarto. A mãe, o reencontro com a família que a considerava morta, os julgamentos da mídia e das pessoas que acompanham sua história após o resgate de dentro do quarto e, principalmente, o trauma por tudo o que sofreu. Jack, por sua vez, precisa compreender e aceitar que o mundo não se resume às quatro paredes onde nasceu e onde viveu por cinco anos, mas que é, a seus olhos, quase infinito e cheio de surpresas, inseguranças e medos.
As partes em que acompanhamos os testes médicos, porque ele não possuía qualquer anticorpo, uma vez que nunca esteve em contato com o ambiente externo ao quarto ou com outras pessoas, a descrição de que ele desce escadas sentado, uma vez que nunca desceu uma, ou que não sabe o que é o vento, ou as folhas, ou um menino de sua idade, são comoventes.
Em um trecho do livro, é perguntado à mãe se ela não deveria ter pedido ao Velho Nick que deixasse Jack na porta de algum orfanato quando ele ainda era um bebê, ao invés de criá-lo dentro do quarto, à mercê de um lunático sádico. Jack não é apenas filho dela, mas sua âncora para continuar viva e lutando pela liberdade. Ele é sua esperança, porque por ele, ela consegue encontrar forças. E pouco depois, quando ela tenta algo desesperado, compreende-se que as coisas de que ela abriu mão, agora que Jack está a salvo, são demasiado pesadas.
QUARTO não é uma leitura fácil apenas por tudo o que disse acima, mas também porque exige do leitor a paciência de acompanhar a ação sob o ponto de vista de Jack. A autora quer transmitir ao leitor as condições em que eles vivem, o relacionamento simbiótico que eles compartilham, a fragilidade de condição psicológica que possuem e o desespero que a mãe passa a cada falta de temperamento do Velho Nick.
Em determinado momento, pensei que muitos leitores poderiam abandonar a leitura com base nessa dificuldade. Que seria menos arriscado se a narrativa tivesse sido feita em terceira pessoa, e, talvez até, com mais capacidade de se aprofundar dos detalhes que escapam dos olhos de Jack. Entretanto, o leitor perderia o choque de procurar no meio das palavras de Jack o que realmente acontece ao seu redor. E esse é o grande ponto focal do livro, que o torna ímpar!