Por: Carl
Frederik PEETERS
Editora NEMO
2015
208 páginas
SINOPSE: Nesta narrativa gráfica pessoal e de rara pureza, por meio de um roteiro simples e de temas universais (o amor, a morte), Frederik Peeters conta sobre seu encontro e sua história com Cati, envolvendo o vírus ignóbil que entra em cena e muda tudo, e todas as emoções contraditórias que ele tem de aprender a gerenciar: amor, raiva, compaixão. Pílulas azuis nos permite acompanhar, sem nenhum vestígio de sentimentalismo, através de um prisma raramente (senão nunca) abordado, o cotidiano de uma relação cingida pelo HIV, sem deixar de lançar algumas verdades duras e surpreendentes sobre o assunto. Apesar da seriedade do tema, Pílulas azuis é uma obra cheia de leveza e humor. Não é à toa que é considerada por muitos a obra-prima de Frederik Peeters. Uma das mais belas histórias de amor já publicadas.
A primeira vez que tive contato com a obra autobiográfica de Frederik Peeters, PÍLULAS AZUIS, foi através de PDFs baixados na Internet. Na época, eu estava na faculdade e não tinha dinheiro para comprar álbuns importados. Ano passado, a editora Nemo lançou esta edição caprichada, com 10 páginas a mais, que contam o que aconteceu 13 anos depois do fim da história. Desta vez, finalmente, consegui ter este relato pessoal, dramático, emocionante e romântico do que é se apaixonar por uma pessoa soropositiva.
Fred conhece Cati em uma festa. Não existe conexão aparente entre eles e, pouco tempo depois, ela se casa com outro homem e tem um filho. Nos anos seguintes, Fred se encontra com ela diversas vezes de forma casual, mas sem nunca aprofundar o relacionamento. Até que ela se separa. Então, finalmente, eles descobrem que estão apaixonados.
E, nesse momento, o leitor desavisado que não leu a sinopse, como eu fiz anos atrás, leva um soco no estômago. Cati avisa a Fred que tem AIDS… bem como seu filho, que já nasceu soropositivo.
A partir daí, acompanhamos como é construído o verdadeiro amor, aquele que consegue passar por cima de obstáculos, que vão além do ordinário dia-a-dia. Não apenas o amor entre um homem e uma mulher, mas o amor de uma mãe, que se sente responsável por trazer ao mundo uma criança já doente, e o amor de um homem, que apesar de não gostar de crianças e não ser o pai biológico do filho de Cati, aprende o que é ser um e sofrer tanto quanto.
As três pílulas azuis que Cati e o filho precisam tomar diariamente, para não deixarem a doença evoluir, representam muito mais do que apenas reações químicas ou biológicas. Elas são a lembrança do quanto a vida é frágil e do quanto somos mortais.
Fred, cuja profissão é ser desenhista de quadrinhos, resolve usar sua arte para disseminar sua história, de Cati e de seu filho, de forma magistral. Seus traços construídos sobre riscos e em apenas duas cores, conseguem transmitir uma parte do que foi, e ainda é, a vida do trio.
Mais do que uma belíssima história, PÍLULAS AZUIS é um relato verídico e obrigatório para todos os que encaram a AIDS como uma sentença de morte. A doença, hoje em dia, é totalmente controlável. Nossa medicina permite que os portadores do HIV levem uma vida normal, inclusive a parte sexual, sem riscos de que o parceiro, ou parceira, contraiam a doença. Isso fica extremamente bem explicado nos quadrinhos que mostram as conversas de Cati e Fred com o médico. As chances dele contrair a doença, se tomadas as devidas precauções, seriam as mesmas de encontrar um rinoceronte branco no meio da cidade.
Essa metáfora é aplicada de forma obscena de tão clara, quando Fred desenha o animal sempre nas suas costas. E também é extremamente corajosa e sincera a conversa que ele tem em sonho com um outro animal falante, que exibe o tamanho do peso que assombra o casal, mesmo sabendo de como estão seguros quanto à doença.
É a aquela máxima de que se você tem 1% de chance de pegar algo, existe a chance.
As 10 páginas extras, desenhas com uma arte diferente do resto do álbum, mas ainda pelo próprio Frederik, servem mais como um complemento educacional de como, 13 anos depois, todos estão saudáveis, de como o vírus desapareceu do sangue, apesar de ficar para sempre alojado nos gânglios, de como eles tiveram uma filha, através de inseminação artificial, e de como são felizes no amor de casal, de mãe, de pai, de filhos, de família!
Tente não chorar, se conseguir 😛