*Essa matéria contém spoilers e foi atualizada dia 9 de dezembro, após o anúncio dos indicados ao Golden Globes 2025.*
Eu já tinha assistido “O Aprendiz”, filme sobre a relação do jovem Donald Trump (Sebastian Stan) com seu advogado Roy Cohn (Jeremy Strong), em Nova York, entre os anos 70 e 80, quando fui convidada para uma sessão do filme, pós eleição do Trump à presidência dos EUA, pelo voto popular, que contou com a presença do diretor Ali Abassi e do próprio Sebastian.
Não hesitei em confirmar presença e ver o filme pela segunda vez, sabendo que aquela era a história – baseada em fatos – do ex futuro presidente de uma das nações mais poderosas do mundo, por sinal, país onde resido.
Verdade seja dita, não foi surpresa nenhuma o Trump ser eleito pelo povo estadunidense, como também não me surpreendi com a saga que foi para os produtores conseguirem fazer esse filme.
A dificuldade de produzir e distribuir um filme sobre Donald Trump é a prova concreta da hipocrisia de Hollywood, que se diz democrata e anti-trumpista, mas que também não quer se indispor com o bilionário poderoso.
Em suma, nenhum estúdio ou streamer quis produzir ou distribuir o filme. Muitos atores não quiseram participar nem dos testes de elenco para o projeto. Desde o início, ninguém na indústria queria se comprometer com um filme – e agora vem o maior spoiler – que mostra o bilionário abusando sexualmente de sua ex-esposa, Ivanka Trump.
Os primeiros investidores do filme, que eram apoiadores do Trump, ameaçaram banir a estreia nos EUA se essa cena não fosse cortada, o que não era uma opção para o diretor, o roteirista, os produtores e atores. Felizmente, os produtores conseguiram outros investidores que compraram a parte do grupo inicial e a cena está no filme.
Mas, basicamente, graças a essa cena, Hollywood fechou as portas para “O Aprendiz”.
Vale conferir a matéria que escrevi, quando assisti pela primeira vez o filme, onde descrevo em detalhes a “novela” que foi realizar “O Aprendiz”. A sessão que serviu de pré-estreia em LA, foi apresentada pelo diretor, Ali Abassi, e contou com a presença da produtora Amy Baer e da atriz Maria Bakalova, que interpretou Ivanka Trump, ex-esposa do bilionário.
Sentiu como a produção do filme daria um roteiro por si só? Pois é, enquanto a indústria do entretenimento (executivos de estúdios e serviços de streaming, atores, atrizes, diretores, produtores, apresentadores, comediantes, cineastas, cantores, compositores, artistas em geral), se diz democrata e critica Donald Trump e seus discípulos, Ali e Sebastian contam a verdade de como muitas dessas mesmas pessoas reagiram ao filme, desde a pré-produção, fechando todas as portas, até a distribuição e, agora, na divulgação.
Eu trabalho nessa indústria há anos, tanto no Brasil como aqui nos EUA, e conheço bem a hipocrisia que reina nesse ambiente, mas eu confesso que fiquei boquiaberta com algumas histórias que ouvi do diretor e do intérprete de Trump, que mostram o medo que o povo, que se diz democrata, tem do atual presidente e do público que o elegeu.
Seguem os destaques do papo com Sebastian e Ali, na CAA.
Ali:
“A gente agradece a presença de todos, de verdade. O mais louco em relação a esse filme é que a resposta do público e da imprensa foi sensacional. Mas, continua difícil distribuir o filme e conseguir que as pessoas assistam. Porque uma vez que elas veem, elas gostam. Inclusive os executivos dos estúdios e serviços de streaming, que não quiseram produzir o filme. Eu ando pelos corredores das grandes agências e vou aos eventos e os executivos, agentes, empresários, assessores de imprensa e distribuidores me parabenizam pelo meu trabalho, elogiam as performances, o roteiro e a minha direção, aí eu viro e falo, se você gostou tanto então compra meu filme, ou distribui. E aí, na hora, a pessoa começa a se esquivar com várias desculpas que não fazem o menor sentido, já que elas curtiram tanto o filme, mas nessas horas eu vejo como realmente funciona a indústria, as pessoas não querem se comprometer com o futuro presidente.”
Sebastian:
“Isso é muito louco pra mim, mas também acontece comigo. Muitos elogios, mas na hora do vamos ver na prática, nada.Para vocês terem uma ideia, a Variety (uma das publicações mais famosas no entretenimento) me chamou para participar do programa “Actors on Actors” (um dos programas que fazem parte da temporada de premiações, e contam com atores e atrizes que estão participando da corrida do Oscar, na esperança de descolarem uma indicação. Vou deixar o link abaixo, para quem curte rever episódios e quem não conhece, ter a chance de assistir o papo entre seus prediletos).
Eu não vou citar nomes aqui, mas eu não consegui nenhum ator para fazer o programa comigo. Ou o ator/atriz não topou, ou os assessores de imprensa os embarreiraram, mas, a realidade é que ninguém em Hollywood quis falar comigo sobre esse filme. Por isso, infelizmente, eu tive que cancelar a minha participação no “Actors on Actors”, por falta de companhia para falar sobre ‘O Aprendiz’.”
Quando o Sebastian contou isso, rolou um burburinho desconfortável na sessão, onde só estavam membros da imprensa, da academia do Oscar e pessoas que trabalham na indústria do entretenimento. Todos boquiabertos, mas nem tanto. Pra mim só serve para confirmar a hipocrisia de Hollywood e, vamos combinar, de muitos democratas nos EUA.
Sebastian continuou:
“Pois o pior é que não nos surpreendeu tanto, infelizmente. Esse filme foi boicotado abertamente por empresas de assessoria de imprensa e responsáveis pelos outdoor na cidade, vocês acreditam?! Muitas implicaram com a foto e criaram regras para não aprovar a colocação do nosso outdoor em LA. Foi nesse nível.”
Ali:
“Sim, muitos empresários não querem que as pessoas assistam esse filme. Não é interessante para eles, as pessoas têm medo mesmo. Ou seja, a presença de vocês aqui é muito importante pra gente, porque vocês podem nos ajudar a divulgar o filme, o boca a boca funciona, pois percebemos que as postagens nas redes sociais também são restringidas. Se puderem falar com os amigos vai ser ótimo!”O filme é sensacional, a produção é caprichada e gostei ainda mais quando assisti pela segunda vez e observei as referências da época, a trilha, a fotografia e o show de atuações.
A dupla Sebastian Stan e Jeromy Strong está imbatível. Fique bem feliz quando ambos os atores receberam indicações ao Globo de Ouro, nas categorias melhor ator e melhor ator coadjuvante em filme drama.
Atualizei essa matéria para parabenizar os atores, até porque essas indicações são uma ótima vitrine para expor o filme com mais cobertura da imprensa e mais gente vai saber da existência da obra.
Hollywood pode ter medo, mas o reconhecimento dos jornalistas que votam no Golden Globes e têm consciência da importância de reconhecer bons atores, é mais importante que nunca.
Aliás, tanto Sebastian como Jeremy são favoritos também para receber uma indicação ao Oscar, aí vocês me perguntam, mas como assim, o povo está tentando boicotar o filme e vai indicar os atores ao maior prêmio de cinema mundial?
Na verdade, quem decide os indicados nessas categorias são os atores membros da Academia, não investidores, empresários, ou diretores de estúdios e serviços de streaming. Essa é a diferença!
Mas, considerando toda a situação, eu adoraria que eles fossem indicados e ganhassem a estatueta, até porque a cerimônia do Oscar acontece depois da posse de Donald Trump. E nada seria mais icônico do que um discurso de Sebastian Stan, romeno, que mudou para os EUA aos 12 anos de idade hoje cidadão estadunidense, receber a estatueta pela performance da verdadeira face de Trump. Seria também uma bela celebração ao ator, que teve coragem de interpretar esse personagem controverso. E os “gringos” – Sebastian, romeno, Ali, iraniano, Maria Bakalova (que interpretou Ivanka), búlgara, que tiveram o talento e o distanciamento para abordar a jornada do bilionário, de uma forma muito mais realista e nada hipócrita, como os estadunidenses da “oposição” tratam o ex futuro presidente.
Aliás, durante a produção do filme, que começou em 2019, ainda no governo Trump, o diretor teve que usar seu passaporte dinamarquês para entrar no país, pois é iraniano e tinha sido banido dos EUA.
Assistam “O Aprendiz”, gente! Não é só um excelente filme, mas é necessário para derrubar o boicote que Hollywood mesmo criou!