No Festival Slamdance: Human Affairs – Filme Mostra Realidade De Uma Mãe De Aluguel

Eu não conhecia o festival de cinema independente, Slamdance, até cobrir o Sundance Film Festival em janeiro deste ano.

O festival foi criado por cineastas, para cineastas cujos filmes não foram aceitos no Sundance Film Festival. Eles não aceitaram o “não” como resposta, e começaram seu próprio evento. Vinte anos depois, a Slamdance tornou-se uma organização que promove  cineastas com idéias inovadoras.

Nenhum outro festival de cinema no mundo é totalmente executado e organizado pela força criativa que só pode ser encontrada nos cineastas. O Slamdance apoia  a auto-governança entre os cineastas independentes, e existe para dar aos cineastas uma chance de mostrar seu trabalho sendo uma plataforma para lançar suas carreiras. O festival ganhou uma sólida reputação para estrear filmes de escritores e diretores iniciantes que trabalham  dentro dos limites criativos de orçamentos limitados. A carreira do diretor Christopher Nolan, indicado ao Oscar na categoria de melhor diretor e melhor filme por “DunKirk”, em 2018, começou no Slamdance.

Se por acaso você é um jovem cineasta cujo filme não foi aceito no Sundance Film Festival, cá está seu caminho para mostrar seu trabalho:

Graças a este festival maravilhoso, tive a chance de conhecer e conversar com o diretor, Charlie Birns e a protagonista, Julie Sokolowski, do filme Human Affairs, em Park City. Eu assisti ao filme e fiquei muito tocada com a sensibilidade com que o diretor mostrou o ponto de vista da mãe de aluguel, que raramente é abordado no cinema de maneira honesta e realista.

Human Affairs conta a história de Lucinda e Sidney, um casal bem sucedido no mundo do teatro na cidade de Nova York, que não conseguiu engravidar e contratou uma mulher francesa, Genevieve, para gerar seu filho. Com três meses de gravidez, Genevieve viaja para Nova York para encontrá-los e passar um longo fim de semana com eles. Durante uma experiência inesperadamente íntima, os três enfrentam seus próprios limites e vulnerabilidades à medida que criam conexões profundas que culminam em um momento emocional surpreendente.

 Confira o nosso bate papo com Charlie (CB) e Julie (JS), que inclusive já esteve no Brasil: 

CB: Você é de São Paulo ou do Rio?

CC: Rio. Você já esteve no Brasil?

CB: Nunca! Eu realmente quero ir.

CC: Você deveria ir. É divertido! E você, já esteve no Brasil?

JS: Sim!

CB: Eu não sabia disso.

JS: Eu estive em São Paulo e… Qual o nome…?

CC: Rio?

JS: Sim.

CC: Eu sou do Rio. Eu cresci lá. Você se divertiu?

JS: Sim!

CC: Bom saber (risos).

JS: Muita diversão, eu amei.

CC: O Brasil é um lugar divertido. Eu estava dizendo ao Matt que amei seu filme porque, em primeiro lugar, ninguém fala a respeito. É um tema tão interessante e uma das minhas amigas do Brasil foi barriga de aluguel. Então, foi meio pessoal para mim porque eu percebi que ela passou por tanta coisa durante o processo. Ela está bem agora e já faz um tempo, enfim…

CB: Então, ela carregou o bebê para outras pessoas?

CC: Sim, para outras pessoas. Não foi fácil… O processo não é fácil, mesmo que eles fossem amigos. Foi meio complicado… Ela fez para o melhor amigo e eles ainda têm um relacionamento. Então, eu estava assistindo o filme e eu nunca vi um filme que… Eu vou falar com ela sobre o filme. Enfim, por que você decidiu fazer um filme sobre este tema?

CB: Pelo tipo de pergunta que você está levantando agora e pelo quanto esse tipo de dinâmica é íntima e pouco abordada. Eu acho que é extremamente interessante examinar como nos conectamos com outras pessoas, quais são os limites, a forma com que buscamos as conexões, a forma com que buscamos ser generosos enquanto temos nossas próprias necessidades. Realmente, foi uma forma de olhar alguns relacionamentos humanos básicos.

CC: Foi muito interessante e muito… Quero dizer, talvez porque seja uma história que já conheci, foi pessoal para mim. Mas você não teve nenhum tipo de experiência com essa situação?

CB: A minha experiência com o tema não é literal, mas eu acho que as emoções podem ser universais. Então, eu sinto que me identifiquei com o tema da minha própria maneira.

CC: E quanto a você?

JS: Eu nunca fui mãe de aluguel, mas, porque fizemos o filme, nós falamos muito sobre isso. Eu não conheço ninguém que fez isso, mas, de alguma forma, eu me preocupo com isso porque eu tenho muitos amigos homossexuais e acho que esta é uma boa maneira para que eles tenham um filho. Então, eu me sinto…

CC: Conectada a isso de alguma forma?

JS: Sim.

CC: É bom. Sua atuação é muito tocante.

JS: Obrigada.

CC: É muito legal e a fotografia do filme é linda. De onde veio esta ideia? Porque, às vezes, é quase como um documentário. Você sente que está assistindo um documentário, sabe?

CB: Sim. Nossa esperança era de conseguir performances íntimas e cruas, que fizessem tudo parecer muito autêntico e nos mantivesse perto daqueles personagens. Nós tivemos muita sorte de trabalhar com um cinematógrafo excelente, Sean Price Williams, que é muito renomado e um artista incrível à sua própria maneira. Ele vem de um histórico de documentários. Ele começou com Albert Maysles e trabalhou com ele em Nova York na filmagem de diversos documentários e especiais. Ele filmou recentemente “Good Time” com os irmãos Safdie.

CC: Eu vi e amei! Engraçado você dizer isso, tem o mesmo…

CB: O mesmo tipo de poder.

CC: É isso mesmo! Good Time, este era o filme. Porque eu vi este filme há algumas semanas… Eu tive que escrever algo sobre o Robert e ele está no filme, ele é incrível. E eu estava pensando que tinha assistido a um filme… Esta é a conexão!

CB: Tem um tipo de sentimento tátil que ele sempre transmite nas imagens, como se você pudesse tocá-las de alguma forma. Nós dividimos muitos dos mesmos membros de equipe com Good Time, os mesmos coprodutores e muitas pessoas que trabalharam no filme. Então, existe um bom relacionamento.

CC: Faz sentido, faz mais sentido agora.

JS: Produtores de filmes independentes em NovaYork são como uma família.

CB: Sim, definitivamente. Todo mundo se conhece.

CC: Nova York é uma comunidade, né? Eu amo NovaYork. Eu vivo lá e em LA, é uma loucura. Você filmou a maior parte do filme em Nova York?

CB: A maior parte foi filmada em Nova York. Nós filmamos as sequências em uma fazenda em Nova Jersey, fizemos algumas coisas em Massachusetts, algumas fotos, mas, primordialmente, em Nova York.

CC: A montagem final trouxe lágrimas aos meus olhos. Como você criou aquilo? Você pensou a respeito… Quando você começou a história, você pensou em terminar daquela forma?

CB: Aquela montagem veio bem depois do começo do processo, depois que fizemos uma edição do filme. Intuitivamente, pareceu algo apropriado porque não havia nenhuma maneira de resolver a história que satisfaria de forma limpa. Se o final fosse claro, alguém ficaria desapontado de alguma forma. Nunca fez sentido como um final justificado e isso trouxe uma solução, curiosamente, mesmo que não uma solução clara. E também trouxe muito alcance para o filme.

CC: É a vida, certo?

CB: A vida passando.

CC: Só a vida passando. Eu pensei: “Eu não acredito! É tão bonito”. E a música, é tão linda… A música é excelente, aliás. Mas é tão lindo, é o final perfeito para isto porque não existe outra maneira, certo?

CB: Sim. Eu acho que o que é importante sobre o final é que traz luz para a intensidade das emoções do filme, de uma forma que, talvez, pudéssemos criar algum espaço… Porque nós ficamos tão envolvidos com nossas necessidades pessoais, desejos, medos, ambições. O filme fica nesse espaço pequeno em que, daqui a algumas décadas, pode abrir a cabeça das pessoas um pouco e criar alguma perspectiva.

CC: Foi legal porque nós conseguimos ver a criança, obviamente, e o que aconteceu com seus pais. Claramente, eles estavam tendo problemas em seu relacionamento. Nós vemos que eles já estavam tendo problemas e que não era culpa da criança… Eram eles, só não estava funcionando. Então, foi muito legal… Eu não tenho nem palavras. E isso é o propósito dos filmes, certo? Atualmente, nós assistimos… Quero dizer, eu sou uma grande fã de filmes, obviamente, e eu acompanho muitos indies em Nova York e LA, festivais e esse tipo de coisa, porque eu amo filmes indie. Mas, às vezes, como jornalistas, temos de assistir grandes filmes dos estúdios.

CB: Sim.

CC: Eles ficam falando, falando, falando tanto. Tem tanto diálogo. E eu fico pensando que isso não é o propósito de um filme.

CB: Bom, os filmes vieram do silêncio, de uma era de silêncio.

JS: É tão engraçado porque nós temos esse narrador e nós podemos ouvir muito deste narrador. Mas, para mim, não é um filme muito falante…

CC: Não, não é. O narrador é necessário.

JS: Sim, é.

CC: Porque é o que está acontecendo na mente dela.

JS: Sim. E também nos traz às dificuldades de ser uma barriga de aluguel.

CC: Sim, de expressar os sentimentos.

JS: De ter esse relacionamento.

CC: Eu concordo.

JS: Mas eu não senti… Porque eu só vi o filme ontem.

CC: Sério?

JS: Sim. Eu vi algumas partes antes, mas não a versão final. E, agora que pensei a respeito, eu realmente senti que não é um filme falante, tudo passou por um filtro de emoções.

CB: Eu acho que isso exige um ator muito talentoso, ou um grupo de atores, para que você possa confiar nos olhos deles e no que está vindo da essência deles. Às vezes, é mais fácil depender das palavras.

CC: Eu sei!

CB: E é um risco, mas eu tive muita sorte de trabalhar com pessoas assim.

CC: Sim, os atores são ótimos, eles são fantásticos. Eu amei… Você consegue respirar, sabe?

CB: O que você acha que uma audiência internacional… Você acha que é um filme muito americano ou que alguém no Brasil pode achar interessante?

CC: Não, não é nem um pouco americano!

CB: Sério?

CC: Ela tem sotaque, o que é incrível para audiências internacionais. É o oposto, acho que é um filme mais internacional do que um filme americano. Pelo menos, é para mim. E eu assisto muitos filmes, acredite!

CB: Eu acredito. Você é muito apaixonada pelo tema.

CC: Eu assisto muitos, muitos filmes. Enfim, acho que é o oposto. Acho que audiências internacionais podem sentir… Eu não sei, efeitos visuais e coisas desse tipo.

CB: Eu acho que nós só queríamos contar algo universal, sobre pessoas, e permitir que as pessoas tivessem sua própria experiência. E as pessoas têm experiências tão diferentes com este filme porque ele deixa muito espaço para isso.

CC: Isso é bom.

CB: É bom.

CC: Isso é o que filmes devem ser.

CB: Sim, eu concordo com você.

CC: Você vai levar para outros festivais? O que vai acontecer com o filme agora?

CB: Essa foi nossa première mundial ontem.

CC: Bom lugar.

CB: É uma boa plataforma. Nós pretendemos fazer uma sequência específica de festivais, então, não estamos só enviando para todos os festivais. Estamos trabalhando com um agente comercial especializado em filmes.

CC: Legal.

CB: Ainda estamos determinando qual vai ser a vida do filme, mas espero que ele chegue às pessoas.

CC: Porque tem muito potencial e já que ninguém fala a respeito… Novamente, é algo que as pessoas não falam a respeito. Elas falam sobre muita coisa, mas não sobre este assunto, e muitas pessoas estão fazendo isso.

JS: Sim.

CC: Não só nos Estados Unidos, mas ao redor do mundo. Eu tenho muitos amigos… Casais gays de garotas e garotos, então, é uma opção. Mas não é uma opção fácil.

JS: Nem um pouco.

CC: As pessoas pensam que é fácil.

CB: Não é fácil e não existem padrões ou legislações. Como você disse, está se proliferando, já é tão comum e é tão novo. Eu imagino, em 10 ou 20 anos, quantas pessoas estarão fazendo isso.

CC: E quanto às emoções deles? Os psiquiatras vão fazer muito dinheiro com isso.

CB: Vão existir psiquiatras especializados em barriga de aluguel.

CC: Eu acredito, vai acontecer! É por isso que eu quero falar sobre o filme e vai ser incrível dividir com a audiência no Brasil e ao redor do mundo. Eu tenho muitos amigos brasileiros vivendo fora.

CB: Sim, e é importante. Essa experiência é só uma das infinitas possibilidades de como pode acontecer. Existem muitos desafios nesta relação e eu tenho a certeza de que existem muitas que são harmoniosas e fáceis. Não é para ser uma representação, é só para ser uma maneira, uma possibilidade.

CC: É importante falar sobre essas coisas, certo? E com vocês, qual é o próximo passo para vocês?

JS: Eu vou começar a gravar o meu primeiro filme de curta duração.

CB: Como diretora.

JS: Como diretora, sim.

CC: Em Nova York?

JS: Não, na França.

CC: Na França?

JS: Sim, eu vivo na França, em Paris. Mas eu não vou gravar em Paris, eu vou gravar perto da água.

CC: Legal. É um país lindo, eu amo a França.

JS: Obrigada.

CC: Agora, eu estou presa nos EUA, trabalhando o tempo todo. Mas, quando eu ainda vivia no Brasil, eu fui algumas vezes. Uma das minhas melhores amigas vive em Lille. A França é um dos meus países no mundo, eu gostaria de passar algum tempo lá. E quanto a você?

CB: Estou escrevendo dois scripts, estão em desenvolvimento. Eu espero filmar algo no começo do ano que vem.

CC: Já que pessoas do indie fazem muitas coisas – vocês escrevem, produzem, dirigem – quais são os desafios? O que vocês gostam de fazer mais? Vocês gostam do processo completo ou preferem atuar ou…?

JS: Nós temos que gostar. Em algum ponto, eu diria.

CB: Sim. Existem muitas limitações quando você está fazendo coisas assim, então, você tem que assumir muitas responsabilidades. Neste filme, eu produzi, escrevi, dirigi e eu não recebi crédito como editor, mas eu editei também. É assim que acontece quando você está fazendo seus próprios pequenos projetos. A Julie, o que ela contribuiu como atriz foi muito mais do que uma atuação padrão. Ela se envolveu no roteiro, se envolveu na edição, ela voltou e dividiu suas fotos de família, sua mãe e pai estão no filme. Ela esteve muito envolvida e investiu no projeto.

CC: Mas você gosta de fazer uma dessas coisas mais do que as outras ou não faz diferença?

JS: Você quer dizer…?

CC: Atuar, ou produzir, ou…

JS: Eu prefiro dirigir.

CC: Você prefere?

JS: Sim, muito. Mas, quando você atua em filmes assim, você sabe que vai fazer muito. Estas são experiências ótimas, quero dizer, é muito bom atuar e não só atuar. Tipo, não é como se, quando a filmagem acaba, a minha vida fosse continuar… É um processo.

CC: Você provavelmente irá para a área de edição. Sim, dirigir é mais… Você pode ver o cenário completo.

JS: Não é um trabalho das nove às cinco.

CC: Não é. É mais divertido que um trabalho das nove às cinco.

JS: Sim!

CC: Eu concordo.

CB: É uma questão interessante em relação ao filme, porque eu acho que, como uma comunidade global, estamos caminhando para a dissolução dos limites. E isso permeia tudo nas nossas vidas. Então, a distinção entre atuar e dirigir vai começar a diminuir, assim como a distinção entre a barriga de aluguel e o casal também não é clara. Eu acho que, conforme formos progredindo, vamos estar muito mais integrados como humanos, incorporando todos os aspectos de uma experiência.

CC: Legal. É um ponto ótimo, eu gostei. E você acredita que… Quais são os desafios para se fazer um filme assim? É dinheiro? Qual foi o principal desafio, foi dinheiro ou fazer tudo ao mesmo tempo? Porque a indústria indie tem tantos…

CB: Eu acho que o maior desafio é encontrar a verdade, sabe? Você pode achar dinheiro… Você pode vender sua alma e encontrar algum dinheiro em qualquer lugar!

CC: Pronto!

CB: É realmente sobre como você pode fazer algo que seja verdadeiro.

CC: E que seja significativo, certo? É difícil achar significado nas coisas… Quer dizer, é isso que eu penso sobre o meu trabalho. Eu não quero escrever sobre algo que eu não goste.

CB: Sim. Eu acho que começamos isso sabendo que seria difícil, mas esperando que pudéssemos contribuir com algo que fosse significativo para nós e, talvez, para alguém que veja o filme.

CC: Legal. É um final lindo. Muito obrigada!

JS: Obrigada!

CB: Muito obrigado!

Veja o clip de Human Affairs:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *