Por: Carl
E. LOCKHART
Editora SEGUINTE
2014
272 páginas
SINOPSE: Cadence vem de uma família rica, chefiada por um patriarca que possui uma ilha particular no Cabo Cod, onde a família toda passa o verão. Cadence, seus primos Johnny e Mirren e o amigo Gat (os quatro “Mentirosos”) são inseparáveis desde os oito anos. Durante o verão de seus quinze anos, porém, Cadence sofre um misterioso acidente. Ela passa os próximos dois anos em um período conturbado, com amnésia, fortes dores de cabeça e muitos analgésicos, tentando juntar as lembranças sobre o que aconteceu.
Harry Sinclair tem três filhas: Carrie, Bess e Penny. Carrie é mãe de Johnny e Will; Bess é mãe de Mirren, Liberty, Taft e Bonnie; Penny é mãe de Cadence. Uma vez por ano, todos vão para a ilha particular da família e ficam nela durante todo o verão. Quando Mirren, Johnny e Cadence estão com oito anos, Carrie é abandonada pelo marido e começa a namorar Ed, um comerciante de artes de ascendência indiana, que tem um sobrinho chamado Gat, garoto de pele morena e cabelos escuros, o oposto dos Sinclair.
Cadence se apaixona de imediato.
A chegada de Gat aproxima Johnny de Cadence e Mirren, que antes não gostava muito de brincar com elas, e os quatro, devido às constantes confusões que arrumam na ilha, começam a ser chamados de os MENTIROSOS pela família. Mas Gat também acentua o desprezo e o preconceito de Harris, o avô dos três garotos.
Harris é o patriarca da família. Ele é o dono do dinheiro e da decisão de para quem deixará a maior parte de sua herança depois que morrer. E Cadence é a primeira neta, a mais velha e sua preferida. Fica claro seu descontentamento quando flagra ela e Gat se beijando no sótão da mansão.
As três filhas de Harris travam uma batalha de interesses para cada uma delas conseguir mais atenção do pai e, consequentemente, o favoritismo para a herança. Harris, claro, sabe e abusa de seu poder sobre elas. Ele é aquele tipo de homem que não ameaça diretamente. Ele faz isso de forma discreta, através de indiretas ou conversas de duplo sentido, que são aquelas que metem mais medo, porque são as mais verdadeiras, por não serem ditas com raiva, mas sob controle, com frieza.
Nessa tempestade que é o relacionamento das filhas com o pai, das ações interesseiras, da necessidade de se conseguir cada vez mais, os quatro garotos tentam se manter unidos e aproveitar os únicos meses em que podem ser autênticos, os únicos meses em que ficam juntos, uma vez que durante o resto do ano, eles vivem em pontos diferentes do país.
Gat é o ponto em comum entre eles, é o farol que ilumina a verdadeira face de Harris. Cadence é a mais sensível, e a paixão que sente por Gat aumenta sua sensibilidade com relação às ações cheias de interesse, que sua mãe a obriga a fazer para manter a preferência de Harris.
No verão em que os quatro, Cadence, Gat, Mirren e Johnny, estão com quinze anos, o mesmo verão que a paixão entre Cadence e Gat aflora de maneira irreversível, algo acontece. Cadence sofre uma acidente, perde a memória dos últimos dias e fica dois anos longe da ilha. Quando retorna e reencontra os dois primos e Gat, tenta, com a ajuda deles, descobrir o que aconteceu.
É Cadence quem narra a história e, junto com ela, percorremos as 270 páginas de MENTIROSOS em busca daquilo que ela esqueceu. Nesse processo, sentimos o amor dela com Gat, a amizade com Mirren e Johnny, a revolta com as ações interesseiras das três filhas de Harris, a indignação, o respeito e a admiração que esse mesmo Harris transmite de forma contraditória, e dor. O livro é impregnado de dor. É o que você, leitor, irá sentir em maior intensidade. Até no momento em que Cadence descobre o amor, ela faz com dor.
Cadence não se poupa do sofrimento. Ela é exagerada nas descrições do que sente com um motivo: ela precisa transmitir a intensidade da dor, e só através de metáforas exageradas é possível dimensionar o que sente.
Dois anos após o acidente, quando Cadence retorna a ilha, ela está diferente. Ela mudou. Ela não é a mesma pessoa. O amor que sente por Gat e por seus primos é o mesmo, mais intenso, até, mas ela volta com uma dose maior de dor, mais profunda.
Ela doa todas as suas coisas, mesmo antes de descobrir o que aconteceu. Ela quer se tornar vazia, se punir, ficar sem nada. A única coisa que ela não abandona é Gat, Johnny e Mirren. Na ilha, eles podem ser autênticos. Eles não precisam atuar para a sociedade, fingindo serem o que não são. Por isso, eles anseiam tanto por esse pequeno período do ano e temem o momento em que ele termina.
E esse momento, no verão dos 15 anos, fica mais evidente quando Cadence e Gat ouvem uma conversa, que indica a ordem de Harris para Gat não retornar à ilha no verão seguinte, na tentativa de o avô separar o garoto da neta. Isso seria o fim do amor entre os dois, e o fim da amizade com Mirren e Johnny. Seria o fim da alegria que enchia os quatro de força para suportarem os meses que os separavam do verão seguinte.
Assim, a tragédia fica anunciada.
A escrita de Lockhart é apaixonante na mesma medida em que é impregnada de dor. Ela sabe transmitir uma carga enorme de emoção através de frases curtas, muitos pontos finais e quebras de linha, dando um tom de tragédia e de desespero que se estende por toda a história.
Mas Lockhart não escreve nenhum desses sentimentos de forma aberta. Ela é sutil. Ela coloca a carga emocional entre as linhas de seu texto, nas palavras bem escolhidas, ou até mesmo na falta delas, quando, por exemplo, ela usa a descrição de um beijo para indicar o choro de Gat.
Nunca havia lido nada de Lockhart e fiquei impressionado com a facilidade com que ela envolve o leitor e consegue descrever a personalidade real de cada personagem, como a duplicidade maquiavélica de Harris, ou o desespero das três filhas em conquistarem sua atenção por puro interesse financeiro, ou no desapontamento dos quatro MENTIROSOS a cada vez que percebiam essas situações.
Até a página 240 eu tinha quase certeza de que MENTIROSOS seria, fácil, o melhor livro do ano. Então, na página 241, eu confirmo aquilo que suspeitava desde o início, mas me recusava a acreditar, uma vez que as pistas que apontavam para isso eram negadas, na mesma medida, por pistas que apontavam em sentido contrário, e que eu descrevo no final desta resenha, depois de um enorme alerta de spoiler. O grande segredo.
Que decepção!
Preciso dizer que sou reticente quanto a livros de modinha. E, sim, eles existem em grande quantidade. Algumas vezes eles fazem jus à fama… outras, não. Este, infelizmente, é um desses casos. Explico o motivo: também odeio quando um autor usa o conceito, ou a ideia, de outro autor para construir uma história. Não vejo nada de errado em semelhanças, mas, no caso de MENTIROSOS, tudo é construído exatamente sobre um segredo que já foi usado mais de uma vez em filmes e livros, que não cito aqui, claro. E o murmurinho à volta do livro é, injustamente, por causa de algo que não foi criado pela autora.
A história de Lockhart, até a página 240, é muito, muito boa. Se ela tivesse mantido a sequência dos eventos sem recorrer a esse segredo, o livro seria devastador por mérito próprio e não pelo que outro autor criou.
Toda boa história precisa de uma moral, uma mensagem, algo que justifique tudo o que aconteceu, de forma boa ou não. Em MENTIROSOS, não existe moral. A única mensagem que o livro deixa é, na verdade, um sentimento: dor.
Nenhum dos personagens fica com nada. Harris perde aquilo que tinha de mais precioso e não valorizava; as filhas perdem qualquer chance de favoritismo; os MENTIROSOS perdem a esperança. E tudo isso, sem um aprendizado. Todos os personagens, principalmente Cadence, tornam-se apenas uma casca vazia ambulante.
Para um livro, esse é um dos piores pecados: ele não consegue deixar nada que importe, além de um enorme desconforto sem significado.
E mais triste é reconhecer que esse defeito poderia ser tão facilmente contornado se o grande mistério não existisse, se Lockhart mantivesse a narrativa de forma sequencial, usando sua própria criatividade para finalizar os acontecimentos na ilha, ao invés de se preocupar em usar um conceito que não era seu para deixar o leitor chocado.
Pena pelo desperdício. Foi isso que senti ao finalizar a leitura de MENTIROSOS. E arrependimento por não ter fechado o livro na página 240 e ficar com uma das melhores histórias de 2014… até a página 241.