Por: Raquel Zambon
Novembro e dezembro são meses especiais para os cinéfilos de plantão. Nesta época do ano, com o término dos festivais de cinema de Veneza / Toronto e o começo da fall season nos EUA, os estúdios apresentam seus principais lançamentos de olho na corrida do Oscar. Para os viciados em filmes, isso representa uma sequência de histórias incríveis para serem assistidas antes das indicações oficiais da premiação em janeiro.
No ano passado, passei a temporada pré-Oscar em Los Angeles. O clima da cidade me incentivou a participar de diversas screenings para conferir todos os possíveis indicados ao Oscar. Foi em uma dessas oportunidades que assisti Lion pela primeira vez.
O evento de apresentação do filme que participei contou com a presença de Dev Patel, mas o ator não era o motivo da curiosidade dos convidados: ele estava dividindo a noite com Saroo Brierley, o indiano que inspirou a história de Lion.
Aos cinco anos de idade, Saroo se perdeu do irmão mais velho em uma estação de trem e enfrentou grandes desafios para sobreviver até ser adotado por uma família australiana. Quando adulto, Saroo decidiu usar o Google Maps para ambientar suas memórias de infância e localizar a família na Índia. Com uma premissa dessas, fica fácil fazer um grande filme.
O FILME
Uma história real emocionante é um excelente primeiro passo para um bom filme, mas também traz o risco de um resultado final apelativo. Por meio de um roteiro bem desenvolvido e de um elenco repleto de talentos, o diretor Garth Davis garantiu que isso não acontecesse com Lion. O filme é emocional na medida certa, capaz de tocar até os corações mais gelados!
O ator Sunny Pawar, que faz o papel de Saroo durante a infância, é simplesmente incrível. Não tem como assistir ao filme e não se perguntar como uma criança de apenas oito anos pode ter tanto talento para atuar. A cena em que Saroo se perde do irmão e entra no trem rumo a Calcutá é um dos pontos altos de Lion – nela, é possível sentir a ansiedade e o medo do personagem. Mérito, certamente, do pequeno Pawar.
Quem vê Nicole Kidman em um filme como Lion também compreende a razão pela qual ela não merecia um Emmy por seu papel em Big Little Lies. Em uma cena em que conversa com Saroo sobre a busca de sua família, Nicole rouba o filme inteiro. Inclusive, a atriz confirmou que essa foi a primeira cena que filmou para o longa – mesmo sem ainda estar propriamente envolvida com a história, ela consegue dar um show de atuação. Fica claro que ela é capaz de muito mais do que a performance que entregou em Big Little Lies.
Em geral, assistir Lion nos faz refletir sobre a vida, sobre as situações do dia a dia que chamamos de problemas e sobre nossa própria força para conquistar objetivos. Arrisco dizer que, mesmo não tendo tido a menor chance na corrida do Oscar do ano passado, o filme foi o meu favorito entre os concorrentes. É uma história sobre a capacidade humana, com a qual todos conseguem se identificar.
O LIVRO
Devo confessar que, dentre todos os fatores que fazem de Saroo Brierley uma pessoa especial, a habilidade para escrever não se destaca. O livro Lion – Uma longa jornada para casa é um pouco cansativo por sua narrativa arrastada. Saroo não consegue prender o leitor e a primeira metade do livro chega a ser quase entediante.
Entretanto, ler Lion vale muito a pena porque o livro conta detalhes minuciosos da história de Saroo, do tempo que passou sozinho em Calcutá e de sua jornada depois que encontra a família – aspecto este que o filme não aborda.
Mais do que uma leitura marcante, Lion é uma grande lição de vida colocada no papel.
Saroo menciona diversas vezes a gentileza de estranhos que salvaram sua vida, como um mendigo que o resgatou duas vezes de possíveis afogamentos. Mesmo em um lugar de tanta miséria quanto Calcutá, Saroo conseguiu encontrar apoio e pessoas boas dentre aqueles que não tinham nada. Quantas desculpas damos no dia a dia para não ajudar o próximo? Histórias como esta nos fazer perceber que todos os nossos motivos são apenas desculpas.
Saroo também conta que teve medo da busca da família e que pensou muito em desistir. O indiano imaginava que não encontraria mais nada em sua cidade de origem e que, assim, perderia o apoio de suas memórias. Mas, mesmo com medo, ele persistiu. Quantas vezes não deixamos que nossos medos nos paralisem na busca por nossos sonhos?
No evento de Lion em LA, tive a oportunidade de conversar com Saroo Brierley. Ele me confirmou que levou cinco anos para localizar a família, buscando incansavelmente no Google Maps. Não soube o que dizer para ele além de “uau”. Estranho que, muitas vezes, nos surpreendemos com o que somos capazes de fazer na busca por nossos objetivos. Não deveríamos! Que mais filmes como Lion e histórias como as de Saroo nos levem a entender, cada vez mais, que somos sempre capazes.
Confira mais detalhes do nosso encontro com o elenco de Lion- Uma Jornada Para Casa, em Los Angeles:
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