Por: Luana Mattos
J.K Rowling é mundialmente conhecida como autora da série “Harry Potter”. Ninguém duvida do seu talento, mas é importante destacar também o fruto do seu coração generoso, a organização não-governamental Lumos, que ajuda mais de oito milhões de crianças no mundo.
Luana Mattos conversou com o braço direito de JK Rowling na Lumos, Georgette Mulheir, confiram este bate-papo inspirador:
Harry Potter era um órfão, por isso não é nenhuma surpresa que a organização Lumos, fundada por J.K. Rowling tenha como objetivo ajudar as crianças órfãs. Surpreendente é o fato de que ao contrário de Harry, a maioria das crianças que vivem em orfanatos não são realmente órfãs; mais de 80% delas têm pelo menos um dos pais vivo. Então, por que os pais abrem mão de seus filhos? Isso é o que a diretora executiva da Lumos, Georgette Mulheir, me conta nesta entrevista esclarecedora.
Luana Mattos: Você está entre os 30 trabalhadores sociais mais influentes do mundo – Parabéns pelo seu trabalho! Quando você percebeu que essa era a sua vocação? E como você se juntou a Lumos?
Georgette Mulheir: Obrigado. Eu sempre fui apaixonada por justiça social – quando adolescente, eu me juntei ao movimento anti apartheid e Anistia Internacional. Durante meus estudos universitários participei de uma série de atividades voluntárias, como trabalhar com refugiados e sobreviventes de abuso sexual, e no ensino do Inglês como segunda língua para as mulheres na comunidade local. Eu vi o impacto direto que esse tipo de trabalho pode ter na vida das pessoas, e queria fazer mais.
Em 1993, fui convidada para trabalhar em um projeto na Romênia para evitar que bebês fossem separados de suas famílias, isso deu inicio aos próximos 15 anos da minha carreira, até que a chance de me juntar a Lumos chegou. Trabalhar com a Lumos me dá uma oportunidade real de impactar as vidas de milhões de crianças, e de trabalhar com especialistas na área.
L.M: Qual é a missão da Lumos? Por que é tão importante que todos nós abracemos esta causa?
G.M: Oito milhões de crianças no mundo vivem em instituições porque são pobres, pessoas com deficiência ou de uma minoria étnica e lutam pelos serviços de acesso por causa da discriminação. Junto com nossos parceiros, nós substituímos as instituições com serviços de base comunitária que proporcionam às crianças o acesso à saúde, educação e assistência social que se adaptam às suas necessidades individuais. A Lumos dá apoio às famílias para que dêem o cuidado amoroso que seus filhos necessitam para desenvolver todo o seu potencial e construir um futuro positivo para si mesmos. Este é um problema sério, em grande escala, mas podemos resolvê-lo – isso é o que faz com que o apoio de outras pessoas seja tão importante, porque nos ajuda a alcançar nosso objetivo.
L.M: Por que as instituições são tão prejudiciais para as crianças?
G.M: A institucionalização nega às crianças o amor individual e o cuidado de que necessitam para prosperar. Pesquisas mostram que a institucionalização tem um sério impacto sobre o desenvolvimento inicial do cérebro dos bebês. Os resultados para as crianças criadas em instituições são extremamente baixos e eles reduzem severamente as oportunidades de vida. Das 8 milhões de crianças em instituições em todo o mundo, mais de 80% não são órfãs. A maioria tem famílias que os amam e os querem, mas eles são empurrados para as instituições por causa da pobreza e da discriminação em razão da deficiência ou etnia. Isto é uma violação de seus direitos humanos e os efeitos duram uma vida. Um estudo apontou que jovens adultos criados em instituições são 10 vezes mais propensos a se envolverem com prostituição do que seus colegas, 40 vezes mais propensos a terem um registo criminal, e 50 vezes mais propensos a tirarem suas próprias vidas.
L.M: Como a Lumos está trabalhando para acabar com a institucionalização de todas as crianças na Europa até 2030, e globalmente até 2050? Como podemos ajudar Lumos a alcançar essa meta?
G.M: Trabalhamos em parceria com governos, profissionais, comunidades, famílias e crianças, para transformar os sistemas que separam as crianças de suas famílias. Nós fornecemos o treinamento para novos serviços, publicamos kits de ferramentas e manuais de melhores práticas, e influenciamos pessoas chaves ao redor do mundo, para nos certificarmos de que estão envolvidos em cada etapa do processo da desinstitucionalização de cima para baixo. Isto é como nós comprovamos que podemos criar uma mudança duradoura.
Outra área-chave, que é central para os valores da Lumus, é a participação da criança. Muitas vezes, as crianças não recebem nenhuma voz nas decisões sobre suas vidas e cuidados – de onde eles vivem ao que comem todos os dias, para o que eles querem estudar ou o que eles querem ser no futuro. É crucial para desenvolver os nossos sistemas ter a opinião e orientação das crianças que os utilizam. As melhores pessoas para explicar exatamente o que as crianças precisam para desenvolver e prosperar são elas mesmos.
Quem nos apoia pode fazer uma diferença real para a nossa missão, ajudando-nos a espalhar a palavra sobre nosso trabalho. Em novembro do ano passado, lançamos nossa nova plataforma de consciência digital #LetsTalkLumos, que permite que os apoiadores novos e antigos se envolvam mais diretamente na nossa missão . Também vimos um aumento recente em nossos apoiadores online na angariação de fundos para nós, o que é fantástico. Estamos tão gratos a todos que nos apoiam.
L.M: Você já visitou centenas de orfanatos, há alguma situação especifica ou experiência que mudou a sua vida de alguma forma?
G.M: Há tantas imagens que permanecem para sempre comigo. Em uma instituição para adolescentes com deficiência intelectual, os sistemas de aquecimento e de água eram pouco funcionais, com crianças que tomavam um banho de água fria por semana (quando estava 20 graus Celsius negativos lá fora, você pode imaginar o quão terrível pode ser para uma criança); hepatite B e piolhos eram abundantes; o comportamento delas era controlado através da punição física extrema. Um dos meninos veio a mim com um par de tesouras. Ele me disse que um menino mais velho tinha colado chiclete no cabelo de outro menino, mas ele estava com medo de cortar o cabelo do menino, pois não queria machucá-lo. Ele me pediu para ajudar, e eu ajudei. Depois disso, ele disse: “Obrigado por não se importar em tocar em nós quando estamos tão sujos e fedorentos”.
Em outra instituição, na Europa, para as crianças com deficiências graves. Descobrimos um rapaz de 16 anos – tinha a minha altura, quando em pé – que pesava apenas 15 kg. Nós o submetemos a um tratamento de nutrição e terapêutico, mas já era tarde demais – ele morreu cerca de duas semanas mais tarde.
L.M: Depois de 20 anos trabalhando em orfanatos, qual foi o maior desafio que você enfrentou?
G.M: O maior desafio que enfrentamos é a falta de coordenação de todas as pessoas envolvidas na transformação de serviços para as crianças. Embora a evidência científica demonstre que orfanatos são prejudiciais as crianças (e desnecessários), esta mensagem não tem a aceitação suficiente por políticos, financiadores e membros da sociedade. Devido a isso, vemos práticas contraditórias – como pessoas doando para a construção de orfanatos enquanto o governo está tentando fechá-los e desenvolver sistemas baseados na comunidade. Então, o nosso maior desafio é conseguir o maior número de pessoas possível que entendam o dano causado por orfanatos e que existem melhores alternativas e, em seguida, entrar em acordo sobre como resolver o problema.
L.M: Orfanato por definição é: “Uma instituição pública para o cuidado e proteção de crianças sem pais.” Mas a sua experiência mostra o contrário, se você pudesse redefinir a palavra “orfanato”, como a descreveria?
G.M: Que pergunta! Eu muitas vezes gostaria de poder redefinir a palavra orfanato, para que as pessoas pudessem entender o verdadeiro significado – muitas pessoas no mundo ainda pensam que é algo bom. Muitos doadores bem-intencionados dão dinheiro para orfanatos, e muitos jovens querem se voluntariar para trabalhar em orfanatos. Tudo isto reforça o sistema do orfanato. Alterar essa compreensão sobre os orfanatos é um desafio global para nós. Muitas vezes usamos a expressão ‘tão famosos orfanatos’, porque, como eu mencionei antes pesquisas mostram que pelo menos 80% das crianças que vivem neles não sao órfãs – elas geralmente têm um ou ambos os pais, ou até mesmo parentes com quem poderiam viver se tivessem o apoio adequado. Então essa é a primeira parte que precisa mudar na definição dada. A segunda parte que me preocupa é o nível de “cuidado e proteção” fornecido – quando pesquisas mostram que não só é esse cuidado inadequado e prejudicial, mas que esses lugares realmente deixam as crianças mais suscetíveis ao abuso, e menos protegidos.
LM: Qual conselho você daria para as jovens mulheres que compartilham a mesma paixão que você pelo trabalho social?
G.M: O trabalho social é um campo extremamente gratificante. Não é fácil e não é para os fracos de coração. Mas se você optar por dedicar sua vida a trabalhar para transformar a vida das pessoas mais desfavorecidas e marginalizadas do mundo, você nunca vai se arrepender. Você nunca vai acordar de manhã perguntando “Qual o propósito?”. O trabalho social é um campo onde as mulheres estão excessivamente representadas – e mesmo assim em funções de gerenciamento sênior vemos muito poucas mulheres. Assim, gostaria de apelar a todas as moças interessadas que obtenham uma boa base em trabalho de campo, mas também que queiram se envolver na gestão. Embora eu sinta falta do trabalho de campo, como Diretora Executiva eu posso alcançar muito mais para mais crianças.
Assista e compartilhe essa animação narrada por J.K Rowling que explica claramente o trabalho da organização Lumos, e porque as crianças precisam de famílias e não de orfanatos
Conheça melhor a mente brilhante por trás de Harry Potter, nesta matéria sobre a autora da série, JK Rowling:
E para saber mais informações sobre a Lumos, confira: