Por: Claudia Ciuffo
Um dos meus momentos mais especiais no Sundance Film Festival foi cobrir o anúncio dos indicados ao Glaad Awards, realizado pela primeira vez no festival.
Sou fã do Glaad faz tempo, pra quem ainda não conhece é uma organização não-governamental que tem como objetivo criar programas que incentivem a aceitação da comunidade LGBTQ na sociedade. Como força de mídia dinâmica, o GLAAD aborda questões difíceis para moldar a narrativa e provocar o diálogo que leva à mudança cultural.
O GLAAD Awards é promovido pela Aliança Gay & Lésbicas Contra a Difamação (GLAAD) e foca em reconhecer e honrar vários ramos da mídia, como filmes e seriados de TV, por suas representações da comunidade lésbica, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) e as questões que afetam suas vidas.
Este ano além da Presidente da Organizacão, Sarah Kate Ellis, os atores Wilson Cruz (“Star Trek: Discovery” e “13 Reasons Why”) e Trace Lysette (“Transparent”) apresentaram a lista de indicados ao Glaad Awards que acontecerá em duas cerimônias, a primeira em abril, em Los Angeles e a segunda em maio, em Nova York.
Eu sou fã de Wilson desde a série “Minha Vida de Cão” que teve apenas uma temporada, mas foi um dos seriados mais marcantes na minha vida, sem contar que lançou atores como Claire Danes e Jared Leto. Além de ter sido a primeira série dedicada a jovens cujo um dos personagens principais era gay, Ricky Vasquez, interpretado brilhantemente pelo próprio Wilson.
Tive o prazer de bater um longo papo com Wilson sobre como o Glaad o ajudou em seu vida pessoal, sobre trabalho e, especialmente, sobre como nos podemos contribuir para construir uma sociedade mais inclusiva. Não deixe de conferir nossa entrevista exclusiva:
CC: Me conte um pouquinho sobre quando você começou a trabalhar com o GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) e sobre o seu relacionamento com a organização.
WC: Eu estava em uma série nos anos 90 chamada “My So-Called Life”.
CC: Eu amava!
WC: (Risos). E um dos nossos produtores – nosso produtor de linha, na verdade – era Alan Poul, que seguiu para produzir coisas como “Six Feet Under”, “Rome” e um milhão de outras coisas incríveis. Mas, naquele momento, ele era nosso produtor de linha e também um gay assumido, e ele fazia parte do comitê do GLAAD. E nós fomos indicados para Melhor Drama de TV por causa da história do meu personagem no show.
CC: Eu sei, é incrível.
WC: Obrigado. Então, eu fui para o meu primeiro GLAAD Awards naquele ano e pude conhecer o time e o presidente. Eu amei o trabalho deles e amei como eles me ajudaram a navegar em uma situação que, naquela época, era bem incomum, que era um homem assumidamente gay interpretando um personagem assumidamente gay e falando a respeito na mídia. Então, o Alan me ajudou muito com a minha própria revelação na época e em como agir para fazê-la. Desde então, 1995, eu trabalhei com eles como um doador por anos. Eu entrei para o comitê em 1997 e fiz isso por alguns anos, aí tive que me afastar. Mas eu continuei, mesmo depois que deixei o comitê, a apoiá-los e a comparecer às premiações. Então, em 2010, Herndon Graddick era o presidente na época e me pediu para voltar ao time. Eu estava disponível! Eu trabalhei principalmente com a arrecadação de fundos… Eu era o facilitador, basicamente, entre o GLAAD, os estúdios e as redes de televisão.
CC: Uau, isso é legal. Um trabalho tão bonito!
WC: Sim! Então, eu realmente pude sujar minhas mãos um pouquinho e convencer as redes de televisão e os estúdios a fazerem um trabalho melhor na inclusão de pessoas LGBTQ de uma forma mais diversa. As minhas conversas com eles eram realmente sobre como – e ainda são – a maioria dos personagens LGBTQ que vemos na TV e em filmes são homens brancos.
CC: Sim.
WC: Então, a minha missão era ampliar o escopo de como somos vistos em uma comunidade maior, em filmes e na televisão. Porque eu acho que é importante que as pessoas vejam que nós estamos por toda a parte.
CC: Claro!
WC: Nós nos parecemos com todo mundo no mundo e as nossas histórias são importantes. Não importa de onde você vem, qual é a sua aparência ou qual religião você pratica, nós somos parte de cada pedaço do tecido americano.
CC: Isso é incrível. Eu amo o GLAAD, é inacreditável. Eu venho seguindo a organização por anos e sou uma doadora, é muito pessoal para mim. E o seu personagem, desde o começo… Eu acho que o mais incrível sobre “My So-Called Life” é que era um show que inspirava. O show era gigante no Brasil, você sabia disso?
WC: Eu não sabia disso!
CC: Sim, era gigante!
WC: Sério?
CC: As pessoas ainda falam sobre o show, ainda falam sobre estes personagens e sobre o seu personagem. Eu não acho que nós vimos algo assim antes na TV.
WC: Certo.
CC: E eu não tenho certeza nem se vimos depois, mesmo agora. Nós precisamos de mais personagens como Ricky Vasquez.
WC: Eu concordo. Eu amaria ver mais personagens como ele.
CC: E esta é a razão pela qual isso é tão importante, pela qual o GLAAD é tão importante.
WC: Sim. Eu amei ouvir que o show era grande no Brasil, eu nem imaginava.
CC: Era gigante!
WC: Eu quero tanto visitar o Brasil. Está no topo da minha lista de lugares para ir.
CC: Sério? Você nunca foi?
WC: Eu nunca fui.
CC: Você deveria ir! Me avise, eu ajudo você.
WC: Eu definitivamente quero ir!
CC: É incrível o impacto que a história teve nos meus amigos gays naquela época. Eles estavam tentando sair do armário, nós estávamos no começo dos nossos 20 anos…
WC: Então, nós provavelmente temos a mesma idade?
CC: Sim! Eles estavam tentando sair do armário e o seu personagem no show os inspirou. É incrível, é lindo.
WC: Isso significa muito para mim.
CC: Ainda está acontecendo com outras pessoas e você ainda está fazendo isso. O seu show recebeu uma indicação neste ano.
WC: Sim.
CC: Neste clima atual, não só nos Estados Unidos mas ao redor do mundo, incluindo o Brasil, as coisas estão andando para trás de alguma forma.
WC: Sim, um mundo de cabeça para baixo.
CC: O que é estranho. O que você pensa a respeito e o que podemos fazer a respeito juntos?
WC: Eu sinto que estamos vivendo no espelho do nosso universo.
CC: Black Mirror!
WC: Sim. Mas o que podemos fazer? Bom, eu acho e eu tenho dito isso… Hoje, é o aniversário de um ano de um dos eventos mais trágicos da história do nosso país, que foi a inauguração do Donald.
CC: Eu sei.
WC: E, desde que ele foi eleito, eu disse uma coisa e eu acho que ainda é verdade hoje: nós temos que cuidar de nós mesmos. E, quando eu digo nós, eu quero dizer que pessoas LGBTQ têm que batalhar por pessoas de cor. Pessoas de cor têm que batalhar por pessoas LGBTQ e por mulheres… Nós todos temos, como comunidades marginalizadas, que nos unir e dizer que, neste momento, quando nosso governo federal parece estar virando as costas para nós, é nosso trabalho batalhar uns pelos outros. Imigração tem que se tornar uma questão LGBTQ, os direitos das mulheres têm que se tornar uma questão de pessoas de cor, assim como as pessoas de cor têm que cuidar da questão LGBTQ. É a única forma que podemos nos unir porque, quando nos unimos, ninguém pode nos parar. E tantos dos nossos problemas se misturam. Existem tantas formas de ajudar para criarmos legislações ou para incentivarmos mudanças que afetarão a todos nós. Uma das coisas que mais me impressionou foi a Marcha das Mulheres, no dia seguinte daquele dia triste. Ver tantas mulheres, tantas pessoas de cor e tantas comunidades marginalizadas se unindo para dizer não, para dizer que isto é inaceitável e que nós vamos resistir a isso. Esse espírito permaneceu uma coisa real durante o ano. Eu acho que foi a única coisa que nos manteve capazes de seguir e nós encontramos força uns nos outros. Então, eu acho que isso é o que temos que fazer: nós continuamos a fazer isso, continuamos a responsabilizar essa administração pelo que faz e chamamos a atenção deles quando temos que chamar – o que é todo dia, aparentemente. Essa é a única maneira de passarmos por isso. Sabe, as pessoas têm que se registrar para votar aqui, nós teremos eleições de congresso no próximo outono e isso pode mudar muita coisa. Eu acho que é assim que nós acabamos fazendo mudanças concretas e tornando essa presidência obsoleta.
CC: Concordo totalmente. O que muita gente nos Estados Unidos não percebe é que tudo o que acontece aqui reflete globalmente.
WC: Sim, reflete em todo lugar, claro.
CC: Reflete no Brasil… E não é só porque eu sou brasileira, porque acontece em toda a parte.
WC: Não. É em toda parte.
CC: Então, é por isso que é importante. Eu concordo com você. Você pensa sobre tudo isso quando escolhe um projeto?
WC: Sim, eu sempre considero como vai afetar… Eu sempre penso: qual é o tema maior deste projeto e o que é que estamos tentando dizer? Quando eu penso sobre os dois projetos que estou trabalhando agora, “Star Trek: Discovery” e “13 Reasons Why”, estes são shows que estão mandando duas mensagens muito necessárias. Em Star Trek: Discovery, estamos falando sobre como criar uma civilização ideal, na qual vemos além das diferenças e as celebramos. Sabe, como nós protegemos uns aos outros, como nos vemos em adversários e criamos um mundo em que nos respeitamos. E eu também fiquei muito tocado pelo fato de que eles trabalharam arduamente parar criar um elenco baseado em diversidade. Nós temos uma mulher afro-americana, nós temos dois homens abertamente gays interpretando personagens abertamente gays, nós temos um homem asiático… Nosso time de redatores é incrivelmente diversificado. Então, eu tive muito orgulho disso. Em “13 Reasons Why”, nós estamos falando sobre como empoderar nossa juventude para falar sobre tragédias que surgem no caminho. Este é outro elenco incrivelmente diversificado de jovens, que são incrivelmente talentosos. E sobre como falar de abuso sexual e como falar de suicídio… Sabe, questões que são um tabu para se conversar entre os jovens, mas que o show aborda diretamente. Não mede palavras, não ataca ninguém e eu queria ser parte disso.
CC: É incrível. Excelentes escolhas!
WC: Sim.
CC: Este show também é gigante no Brasil porque é da Netflix e todo mundo assiste Netflix. E o livro também foi gigante… Eu escrevo para adolescentes e jovens adultos, que estão obcecados com o show.
WC: Eu estou realmente empolgado para que as pessoas vejam a segunda temporada, porque essa temporada continua de onde o livro parou.
CC: Sim, eu li o livro.
WC: E eu acho que vai ser ainda melhor que a primeira temporada.
CC: Vocês já terminaram de filmar essa temporada?
WC: Sim, acabamos de terminar! Eu acho que terminei em novembro, logo depois do feriado. Eu não sei quando será o lançamento, mas eu acho que vai ser na primavera ou verão.
CC: Sim, eu li algo… Estou super curiosa, mal posso esperar.
WC: Eu acho que você vai gostar. E eu estou em toda a temporada… Você estará cansada de mim quando terminar!
CC: Não, não vou me cansar de você! Bom, vamos fechar a entrevista porque você tem uma vida, mas a conversa está tão boa! A maior parte de nossos seguidores e leitores é da comunidade LGBTQ, então, que conselho você daria para eles? Eles são jovens e estão tentando lidar com tantas coisas… Suas carreiras, famílias…
WC: Eu acho que é muito fácil, neste clima político, se desencorajar e sentir que você está sozinho. Sentir que você está escalando morro acima. Então, o meu conselho é se lembrar de uma coisa: quando todos nos unimos como pessoas marginalizadas, como parte de comunidades marginalizadas, nós somos a maioria e podemos mudar a forma com que esse mundo funciona. É sobre compreender que temos esse poder e estar dispostos a usá-lo. Nós não podemos ter medo de falar a verdade, não podemos ter medo de ser a única voz porque, no minuto em que uma pessoa fala, ela empodera milhares e milhões de outras pessoas a fazerem o mesmo. Então, eu diria: não tenha medo porque você não está sozinho. Nós estamos juntos nisso e vamos superar isso. E existe uma maneira de superar isso que nos tornará mais fortes no final. Sabe, se a única coisa que sair da presidência do Donald Trump é o nosso reconhecimento de que dividimos valores com outras comunidades e podemos trabalhar juntos, então, terá valido a pena porque isso é algo que todos nós devemos trabalhar para conquistar. Nós devemos trabalhar para conquistar o mundo idealizado que Star Trek nos apresenta, que são todas essas espécies diversificadas e seres que se unem pela causa comum de justiça, igualdade e celebração da diversidade.
CC: Claro. Eu acho que a única… Não coisa boa, mas a única coisa razoável que sairá de Trump e de sua presidência é o fato de que nós acordamos.
WC: Sim, exato!
CC: Nós estávamos lutando nossas próprias batalhas e, agora, nós lutaremos a mesma luta, juntos. Isso faz sentido?
WC: Sim, claro. Eu realmente espero que sim! Eu acho que isso é o que está acontecendo.
CC: É um chamado para acordar!
WC: Exatamente, e nós precisávamos ser acordados. Nós estávamos muito tranquilos e as coisas estavam indo bem, mas eu acho que começamos a perceber que ainda há muito trabalho a ser feito. Claramente, muito trabalho.
CC: Sim, claramente! Muito obrigada!
WC: Eu que agradeço.
CC: Foi tão bom te conhecer.
WC: Foi ótimo te conhecer. Espero vê-la no Brasil.
CC: Sim! Muito obrigada mesmo.
Para saber mais sobre o Glaad:
Ainda não viu “Minha Vida de Cão”? Cá estão os detalhes porque a série e imperdível:
Lista dos Indicados ao Glaad Awards 2018:
MELHOR FILME
A Guerra dos Sexos
Me Chame Pelo Seu Nome
Lady Bird – A Hora de Voar
Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas
A Forma da Água
MELHOR FILME – LANÇAMENTO LIMITADO
120 Batimentos por Minuto
Uma Mulher Fantástica
Reino de Deus
Thelma
Os Iniciados
MELHOR SÉRIE DE COMÉDIA
The Bold Type
Brooklyn Nine-Nine
Crazy Ex-Girlfriend
Modern Family
One Day at a Time
One Mississippi
Superstore
Survivor’s Remorse
Transparent
Will & Grace
MELHOR SÉRIE DE DRAMA
Billions
Doubt
The Handmaid’s Tale
Nashville
Sense8
Shadowhunters
Star
Star Trek: Discovery
This Is Us
Wynonna Earp
MELHOR EPISÓDIO (NUMA SÉRIE QUE NÃO TEM UM PERSONAGEM LGBT NO ELENCO REGULAR)
“Chapter 8” – Legion
“Grace” – Pure Genius
“Lady Cha Cha” – Easy
“The Missionaries” – Room 104
“Thanksgiving” – Master of None
MELHOR TELEFILME OU MINISSÉRIE
American Horror Story: Cult
Feud: Bette and Joan
Godless
Queers
When We Rise
MELHOR PROFRAMA INFANTIL
Andi Mack
Danger & Eggs (pelo episódio “Chosen Family”)
Doc McStuffins (pelo episódio “The Emergency Plan”)
The Loud House
Steven Universo
MELHOR SÉRIE EM ESPANHOL
As Telefonistas
La Doble Vida de Estela Carrillo
Ingobernable
MELHOR DOCUMENTÁRIO
Chavela
Gender Revolution: A Journey with Katie Couric
Kiki
Independent Lens
This is Everything: Gigi Gorgeous