Sábado, dia 7 de novembro de 2020 foi um dos melhores dias desse ano tão pesado. Depois do suplício de uma apuração que durou 4 dias, a vitória de Joe Biden e Kamala Harris na presidência e vice-presidência dos EUA, respectivamente, foi anunciada. Da minha janela no Brooklyn, em NY, ouvi fogos de artifício e as pessoas comemorarem nas ruas com aplausos e buzinas a derrubada da Trumplândia.
Não se via tanta gente nas ruas de NY, desde o início da pandemia. Peguei o metrô até a Union Square onde, poucas horas depois da divulgação do resultado da eleição, a festa já rolava solta. Todos dançavam, cantavam, sorriam com as mãos para o céu. Os grupos não necessariamente se conheciam, mas a celebração era de uma grande família. Era quase impossível evitar a aglomeração, mas não me contive em dar uma espiada (com máscara e álcool gel a postos) mesmo sem entrar na muvuca, tentando manter algum distanciamento social. Em tempos de coronavírus, temos que ter cautela, mas fato que, depois de quatro anos da tortura do governo Trump, o povo precisava ir às ruas para celebrar o início de uma era com governantes mais razoáveis, pessoas mais decentes.
De fora, mas pertinho, fui espiar também a farra da turma na Washington Square, a praça que reúne os estudantes da New York University. Depois, caminhei mais de 30 blocos até a Times Square. O dia estava lindo, céu azul, temperatura agradável. A alegria nas ruas era tão contagiante que fez a longa caminhada, parecer curta. Havia uma sensação de alívio gigantesco no ar.
Ao andar pela pulsante Maçã, fiz uma reflexão que, acredito, muitos concordam. Longe de Biden ser o candidato ideal (Sou time Bernie Sanders para sempre). Eu tenho minhas reticências com a administração do governo Obama, no qual ele ocupava a vice-presidência. Verdade seja dita foi um governo muito difícil para os imigrantes, especialmente para os latinos. O carisma de Obama certamente maquiou seus erros e de sua equipe na Casa Branca mas, tendo em vista o pesadelo que vivemos com o seu sucessor, temos que levantar as mãos para o céu que Biden foi eleito. Muito também pela sua acertada decisão de escolher Kamala Harris, a primeira mulher preta e sul-asiática, filha de imigrantes, como sua VP. As minorias que não votaram para eleger Hillary Clinton, assim como os jovens, marcaram presença nessa eleição, graças à Kamala, batendo recordes de votação no país onde o voto não é obrigatório.
A felicidade nas expressão das pessoas que dançavam na Times Square me encheu de orgulho de estar em Nova York, a vitrine do mundo, e a cidade que melhor representa a diversidade de raças que habitam esse país.
Dali, meu destino foi o Harlem, onde encontrei minha amiga Nancy que me recebeu com a melhor declaração do dia: “Bem-vinda de volta ao planeta Terra, eu tenho a impressão que fomos abduzidos para um outro plano e estávamos vivendo uma realidade paralela. Longe dessa ser perfeita, mas, pelo menos, voltamos pra o mundo que conhecíamos”.
Realmente, a gente viveu anos de chumbo, anos de escuridão, o que torna ainda mais triste saber que boa parte da população nos EUA, que continua dividido, votou em Donald Trump, em 2020. Mas depois de 11 anos morando no país, e ter viajado pelos estados “vermelhos” e morado no Texas, republicano, onde Trump venceu agora também, me sinto confortável em dizer que grande parte do povo estadunidense realmente não acredita em coronavírus, no aquecimento global, apoia crianças em jaulas e um muro na fronteira. Eles existem e se sentem representados pelo presidente que, sem evidência alguma, afirma que houve fraude na contagem dos votos, porque ele perdeu. O mesmo cidadão que, até agora, não seguiu o protocolo e ligou para o presidente eleito confirmando a sua vitória.
Só Deus sabe como será o processo de transição entre os governos, mas nós sabemos que a arrogância do Trump e suas loucuras incitaram o pior em seus seguidores. Mas temos esperança que Biden e Kamala, que promoveram a unificação do país em seus discursos, consigam amenizar o caos.
Foi a terceira eleição que acompanhei desde que me mudei para os EUA. A reeleição de Obama foi celebrada, sem surpresas, o nascimento da Trumplândia nos desestabilizou, mas agora a eleição da primeira mulher ao cargo de vice-presidente, nos motiva novamente. Ao mesmo tempo que demonstra como esse país é atrasado e preconceituoso, tendo em vista que muitos países pelo mundo afora, inclusive o Brasil, já tiveram mulheres ocupando cargos de liderança política. Mas, como Kamala mesma disse, ela foi a primeira, mas não será a última.
Nesse espírito, Nancy e eu celebramos com muitos brindes o grupo de cidadãos conscientes que vivem nos EUA e tenta manter o equilíbrio de uma nação que é tudo, menos perfeita. Como o que acontece aqui causa grandes impactos no mundo, e no Brasil, vamos torcer para que o novo governo seja mais bem-sucedido do que nos nossos mais remotos sonhos e que a razoabilidade prevaleça daqui pra frente.
Primeiro discurso de Joe Biden como presidente do EUA:
Primeiro discurso de Kamala Harris como vice-presidente dos EUA: