Destino – Capítulo III

Hoje no terceiro capítulo de “Destino”, Anete tem um encontro inusitado. Será que sua vida vai começar a mudar?

Para se atualizar na história: Capítulo I | Capítulo II

CAPÍTULO III

Amanheceu e Anete abriu os olhos suavemente. Ela estava em um quarto pequeno, com paredes brancas. Uma janela aberta, onde as cortinas em tons claros balançavam, com o vento que vinha de fora. Uma minúscula televisão se encontrava a sua frente, pregada na parede em um suporte. A cama ao lado estava vazia, um pouco bagunçada, como se alguém tivesse acabado de sair. Ela se viu deitada sobre lençóis brancos, uma agulha enfiada em seu braço, seus cabelos um pouco empoeirados, mas seu rosto estava limpo, alguém havia tirado toda sujeira com um algodão úmido. Vestia um daquelas roupas de pacientes, que vinha até os joelhos e tinha uma abertura na parte de trás.

Ela olhou ao redor e percebeu onde estava, era um hospital. Havia sido levada pelos bombeiros para se recuperar. Havia inalado muita fumaça. Tentou levantar e sentiu uma pontada aguda em sua perna que estava enfaixada. Foi quando ela recordou da queda com as crianças e percebeu que estava machucada. No momento em que esse pensamento surgiu, ela recordou dos dois meninos e da menininha, que havia ajudado a salvar.

Tentou levantar-se mais uma vez, mas seu corpo estava muito dolorido. Estava angustiada, precisava de informações.

– Onde a mocinha pensa que vai? – disse um homem que se aproximava da porta.

Anete o olhou por um momento, aquele rosto pareceu familiar. Ela tentou lembrar de onde o conhecia, mas a imagem não lhe vinha a mente, tudo ainda estava muito confuso.

– Eu fiz uma pergunta mocinha – disse ele sorrindo – por que esta tentando sair da cama?

– Bem – disse ela, admirada com a beleza do homem que se encostava e a olhava de braços cruzados. – eu acho que vou sair daqui.

Ele era alto, tinha os olhos azuis, cabelos bonitos que cobriam suas orelhas, vestia camisa e calça brancas. Seu sorriso era branco e tranquilizador. Apesar de parecer jovem demais pra ser médico, devia ter uns 22 anos, a forma como se posicionava mostrava experiência. Seu rosto tinha uma perfeição digna de um anjo, ou um deus grego conhecido pelo seu magnífico porte físico. O rosto não era apenas escultural. Aquele maxilar completamente bem desenhado, másculo. Aquela boca rosada, do tipo que se pode ficar admirando por horas a fio. Um nariz  bonito e bem colocado, fazendo com que cada milímetro do seu rosto fosse valorizado. Mas, aquele sorriso era um dos pontos altos daquela beleza tão particular. E a forma como ele olhava, profundamente hipnotizador, era algo de deixar qualquer mulher desconcertada. Mais do que azuis, seus olhos eram o reflexo da perfeição.

– É mesmo? – disse ele rindo novamente – e pra onde você pensa que vai? – falou, se aproximando dela e a ajudando a deitar novamente.

– Eu quero saber como estão todos. Como estão as crianças? Preciso ter notícias. Por quanto tempo eu dormi? – disse ela deitando contra sua vontade.

– Estão todos bem, não se preocupe. Um dos meninos tinha inalado muita fumaça e depois de ser medicado está bem. Os outros dois também estão fora de risco, apenas em observação. Você dormiu por dois dias, estava sedada por conta dos machucados, sua perna está fraturada e suas costelas precisam de cuidados.

– E quando poderei vê-los?

– Assim que descansar mais um pouco. Não vai querer cair ao visitá-los, não é? Eles já tiveram traumas demais – disse ele sarcástico, rindo novamente.

– Você não acha que ri demais?

– Você não gosta de sorrir? – perguntou ele fingindo estar sério. Com um ar cômico no canto da boca, aquela boca que a deixava sem reação, continuou a brincar. – Acho que tenho que armar meu circo em outro lugar.

Ela olhou-o por um momento, olhou o bolso do seu jaleco, o fitou nos olhos e disse:

– Pensei que todo médico andasse com um crachá de identificação, acho que o seu caiu em uma das suas sessões de circo. Não é doutor?

Ele riu descaradamente. Parecia que se sentia muito bem em ser chamado de palhaço, ou melhor, parecia que se sentia muito bem em ser chamado de palhaço por aquela garota desconhecida.

– Talvez – respondeu ele – acho que deve ter caído, quando eu estava desarmando o circo. Mas, em breve me apresentarei. Quando tiver mais tempo volto, agora tenho que ir, estão me chamando.

– Não ouvi ninguém te chamar – disse ela, enquanto ajeitava a cabeça no travesseiro. E nesse momento não havia mais ninguém no quarto.

– Palhaço – disse ela rindo – foi embora e nem se apresentou.

Depois de algum tempo, uma enfermeira baixinha usando uniforme azul, de cabelos vermelhos e óculos fundo de garrafa, entrou para ver como Anete estava. Trocou suas ataduras, pegou um estetoscópio e pediu para que ela respirasse profundamente.

– Então, já estou de alta?

– Você é forte garota – disse a enfermeira – pelo que ouvi, você deveria estar bem mais machucada.

– Você queria que eu tivesse mais machucada? – perguntou ela com ar de espanto.

– Claro que não meu anjo – disse a enfermeira rindo – só estou dizendo que, pelos comentários, você tem mais força do que aparenta. Os bombeiros disseram que você fez um verdadeiro milagre saindo daquele prédio em chamas, quando eles sequer conseguiam entrar.

Anete parou e pensou por um momento. Ela tentava lembrar tudo o que havia acontecido. As imagens vinham em flashes na sua cabeça, embaraçadas, ela lembrava de entrar entre as chamas, de correr para o primeiro andar, da escada tomada pelo fogo, das crianças chorando no canto da parede. Eram imagens muito vagas, ela ainda precisava de um tempo para entender tudo o que havia acontecido.

– Só tive sorte – disse ela para a enfermeira – realmente não sei de onde tirei forças para sair com as crianças, na verdade, não lembro nem como sai de lá.

– É minha garota, você está ótima. Vai ficar um tempo em observação, mas logo vai ter alta.

– E as crianças como estão? O Doutor Sorriso disse que eles estavam bem, mas queria vê-los.

– Doutor o quê? – disse a enfermeira surpresa.

– Desculpa – disse ela rindo – é que veio um médico aqui há pouco tempo, ver como eu estava e não disse como se chamava. Só ria de tudo que eu falava e fazia piadas. Ele disse que as crianças estavam bem, mas eu queria vê-las.

– Mas não vi nenhum médico por aqui – disse a enfermeira.

Anete deu todas as características do médico para tentar saber seu nome, afinal, ele foi tão simpático que causou uma boa impressão. E se fosse só a simpatia que tivesse atraído ela, tudo bem. Anete não podia negar que a beleza, do tal Doutor Sorriso, realmente mexeu com ela. Aquele rosto espetacular, aquele sorriso zombeteiro e o brilho daqueles olhos azuis de alguma forma mexeram com o subconsciente de Anete. E por um momento, pela primeira vez em anos, chegou a ter um pensamento bem diferente daqueles que tinha quando estava reclusa no convento.

– Não sei de quem você está falando – disse a enfermeira – o médico mais jovem que temos aqui é o Dr. Aluísio, e ele tem 49 anos. Talvez tenha sido algum dos estagiário, dia de hoje esse hospital fica cheio dessa juventude, que vem fazer estágio e perturbar nosso juízo – completou a enfermeira fazendo uma careta, pra tentar demonstrar que não gosta muito dos estagiários.

– Deve ter sido isso mesmo – disse ela para a enfermeira – ele era novo demais pra ser um médico.

 

Depois disso Anete voltou a descansar. Sentia-se um pouco melhor, o soro e o oxigênio fizeram ótimos efeitos, fortalecendo-a e retirando os vestígios de fumaça que existiam em seu corpo. Logo ela receberia alta.

As irmãs foram visitá-la. Justine a abraçou com tanta força, que quase quebra as costelas que resistiram à tragédia. Quitéria sorria ao ver a amiga bem. Até a Madre foi vê-la, agradecer por salvar as crianças, que ela dizia ser a alegria dos olhos de Deus. Parece que algo havia amolecido o coração daquela velha ranzinza.

Anete conversou com suas amigas por um longo tempo, ela descobriu que fim levaria todas as freiras e as crianças. A irmã Anna, uma baixinha de pele clara e olhos azuis, disse que o convento de uma cidade vizinha, havia convidado todas elas para ficar lá, enquanto elas reconstruíam o antigo Convento Santa Clara de Jesus. A história da freira que salvou três crianças, correu por todo o estado e isso rendeu bons frutos. Muitos empresários resolveram ajudar a reconstruir o local. As crianças ficariam em abrigos provisórios, até voltarem para o local reconstruído e com mais espaço. Anete ficou feliz por saber disso, saber que tinha contribuído para tudo ficar bem, mesmo ela não sendo freira, como saiu no noticiário. Muitos jornalistas apareceram querendo entrevistá-la, fotografá-la, mas as irmãs não deixavam que ela fosse perturbada.

Por volta das 15h Anete recebeu sua alta. Quando a enfermeira anunciou que o médico iria vê-la, para fazer os últimos exames e enfim assinar sua alta, por um momento, ela se viu com o coração acelerado. Na esperança de que aquele homem sorridente, vestido de branco surgisse mais uma vez na porta do seu quarto e lhe desse aquele sorriso cheio de brilho mais uma vez.

– O que está acontecendo comigo? – Pensou ela balançando a cabeça como quem tenta apagar alguma coisa – Só vi aquele homem uma vez, não é possível que eu pense nele novamente.

Não existia nada demais em pensar naquele lindo exemplar de estranho, a beleza dele era realmente algo incapaz de se passar despercebido.

Para tristeza de Anete, quem veio liberá-la foi um doutor já com seus 50 anos, com alguns poucos fios de cabelos brancos e um crachá que dizia: Dr. Benjamim. Ele a examinou e assinou uns papeis sem puxar muito assunto. Em seguida, disse que ela estava bem e poderia ir.

Ela se trocou, provando um vestido branco que ia até os joelhos, algo muito simples, que uma das enfermeiras havia levado pra ela no dia anterior, quando soube o que havia acontecido e percebeu que ela tinha perdido todas as suas coisas no incêndio.

Ao sair do quarto mancando, ela se deparou com um longo corredor e viu que uma placa indicava onde ficava a ala das crianças. Ela seguiu buscando informações, procurando se despedir dos pequenos antes de partir. Depois de andar por alguns minutos, olhando de quarto em quarto naquele imenso hospital, ela os encontrou.

Eles ainda estavam deitados, descansando. Não tinham a mesma força e energia de Anete pra se recuperar tão rápido, mas já estavam melhores.

– Que bom que vocês estão bem meus lindos – disse ela olhando para os três, cada um deitado em uma cama, no mesmo quarto.

– Obrigada tia, por tirar a gente de lá – disse a menininha segurando a mão dela.

– Por nada, meu amor – disse sorrindo e com uma lágrima de emoção escorrendo – Eu que agradeço, por me deixarem passar tanto tempo ao lado de vocês.

– Eu amu voxê – disse o menininho menor, sem nem conseguir pronunciar as palavras direito.

Anete chorava emocionada com aquele momento. O menininho maior ainda dormia, ela acariciou seus cabelos, deu um beijo em seu rosto e saiu do quarto.

Anete saiu do Hospital sem rumo, sem destino, sem saber o que seria da sua vida a partir daquele momento. Ainda sentia muitas dores, sua perna estava enfaixada, para se recuperar da fratura, seus pulmões ainda doíam quando ela respirava. Mas, ela tinha que ir.

Os jornais falavam de seu ato heróico, de salvar aquelas crianças, mas nenhum deles citou seu nome. Ninguém lembrou de perguntar o que seria dela a partir dali. Ela saiu do hospital sem olhar para trás, sem dizer que jamais voltaria. Talvez ainda surgisse uma oportunidade, uma chance, alguma novidade.

Anete estava andando pelas ruas, como alguém que perdeu o juízo, olhando apenas para o céu, esperando que a providência divina se encarregasse de por uma solução na sua vida. Foi ai que Anete se deu conta de que estava no meio da rua, paralisada, com um carro a meio centímetro, buzinando com toda força, a ponto de atropelá-la.

– Você está bem? – saiu um homem de dentro do carro, gritando em sua direção – Como você está? Está bem?

– Estou bem… – disse ela paralisada, apenas olhando o capô do carro e vendo a que distância ele se encontrava dela – …eu acho que estou – completou ela, pouco antes de desmaiar e ser segurada pelo homem, que ela ainda nem havia olhado, diante de tamanho susto.

Anete acordou no banco de um carro, ainda um pouco zonza.

– Você gosta de viver fortes emoções não é garota? – disse o homem, com um tom de voz bem conhecido para ela.

– Você? – Disse ela, totalmente surpresa, ao se dar conta de quem era o motorista que quase havia a atropelado.

Continua

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *