Quais os sacrifícios que você está disposto a fazer para ser livre a ponto de admirar as seus dias, mesmo quando seu trabalho é limpar banheiros, sua casa é simples, sua rotina metódica e sua companhia é a solitude?
Você está preparado para sair da zona de conforto e do cativeiro imposto pela sociedade e viver sem tecnologia, mas cercado de canções, livros, fotografia, plantas, poucos conhecidos e muita paz?
Essas são as perguntas que não são feitas em voz alta, mas estão implícitas no filme “Dias Perfeitos”, que faz jus ao nome, porque perfeição define essa obra cinematográfica.
“Dias Perfeitos” acompanha a história de Hirayama (Koji Yakusho), um homem de meia-idade reflexivo que vive sua vida de forma modesta como zelador e limpando banheiros em Tóquio. Sua vida é revelada ao espectador através da música que ouve, dos livros que lê e das fotos que tira das árvores, uma vez que são suas três paixões. À medida que a vida de Hirayama avança, encontros inesperados começam a surgir revelando um passado sombrio e não tão metódico do zelador. O longa explora temas como a solidão, fuga e busca de sentido na vida moderna. Fonte: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-314885/
Quem me conhece e acompanha o Hollywood é Aqui sabe que sou cinéfila de carteirinha. Não só assisto filmes como fã, como também cubro a temporada de premiações que termina com a entrega das estatuetas no Oscar, ou seja, faz parte do meu trabalho assistir a muitos filmes e documentários que participam da corrida ao Oscar.
Dito isso, afirmo que “Dias Perfeitos” foi um dos melhores filmes que assisti nas últimas décadas.
Posso enumerar várias razões, a começar pela serenidade do filme, que tem poucos diálogos, o que permite aos espectadores terem uma autêntica experiência audiovisual, porque com menos palavras faladas, o sucesso do roteiro está na performance dos atores, na caprichada direção, na belíssima fotografia e na icônica trilha sonora. “Dias Perfeitos” leva nota 10 em todos os quesitos, com destaque para o elenco e o protagonista, o ator Koji Yakusho que se comunica com o espectador através do olhar. Brilhante!
Mas, como toda obra de arte, o filme agradou aos críticos, aos entusiastas do cinema independente e aos fãs de filmes mais profundos, mas não agrada a todo mundo, o que prova a filosofia de Nelson Rodrigues, “a unanimidade é burra”, e, pelo que percebi no cinema onde assisti ao filme (vi gente indo embora no meio da sessão), invariavelmente, alguns vão achar “Dias Perfeitos” chato e cheio de imperfeições, como o silêncio e as cenas longas mas, para mim, são nesses momentos que estão as mensagem mais profundas da obra dirigida por Wim Wenders.
Eu me identifiquei muito com o roteiro que é uma reprodução perfeita da jornada do herói de Joseph Campbell. Mas não foi a parte técnica que me conquistou, mas a sensibilidade com que o filme trata temas como a solitude e a solidão, escolhas, relações humanas e tecnologia.
Me enxerguei em várias situações, como a conexão que podemos ter com um desconhecido que abre o coração pra gente em uma situação mais que inesperada. Os amigos do bar que frequentamos, o garçom que nos atende no restaurante onde fazemos as refeições. Pessoas que, graças às circunstâncias da vida que escolhemos, conhecemos superficialmente mas encontramos mais que a nossa própria família.
E, falando em família, o filme mostra de forma delicada e sincera como a distância pode doer, mas liberta, e nos afasta de relações familiares tóxicas.
Criar uma rotina simples com a proposta de viver a jornada mais leve. Abrir mão do luxo pela paz interior. Buscar conforto na natureza, na fotografia, nos livros e na música que, nos caso de “Dias Perfeitos”, é um personagem, são mensagens do filme que traduzem situações da vida que eu escolhi pra mim em LA.
O mais fascinante do protagonista é que ele mora na Tóquio dos dias de hoje, uma das cidades mais tecnológicas do mundo, e não usa a tecnologia. Chega a ser um refresco ver o personagem na telona trocar o celular por uma câmera fotográfica com filme que ele leva para revelar, assim como acompanhar esse herói que escuta canções icônicas em fitas cassetes e compra livros em sebo. Singelos momentos dos dias perfeitos do personagem que me fizeram viajar no tempo e revistar a minha juventude, quando eu também revelava fotos e escutava fitas cassetes.
Não vou dar spoilers até porque esse não é um filme para ser contado, “Dias Perfeitos” é um filme pra ser vivido. Saí do cinema ainda mais certa das minhas escolhas e dando ainda mais valor aos meus dias perfeitos na cidade que tem nome de anjo.
“Dias Perfeitos” não vai agradar a todos, mas fica a dica para quem gosta de filmes que quando terminam causam um impacto tão profundo em você que passam a fazer parte da sua vida pra sempre.
Vou olhar para a minha rotina em LA, as minhas plantas, meus livros e a trilha sonora da minha vida – que tem várias músicas em comum com a do protagonista – de uma forma ainda mais especial a partir de agora.
Trailer legendado:
A trilha é perfeita e sugiro ouvir depois de assistir ao filme.
Playlist da trilha sonora:
https://music.youtube.com/playlist?list=PLVVG-UjfanKf83MrW06ovYokysuuMRqu6&si=9IY–1oeVR53CKSr