Por: Anna Mellado
“Coisa Mais Linda” é ambientada nos anos 50 e faz uma bela homenagem à Bossa Nova, no Rio de Janeiro. Quem é ligado em história sabe o poder que a Bossa Nova teve para o nosso estado e país, principalmente por se tratar de uma época de revoluções tecnológicas, com a chegada da TV e também revoluções comportamentais, com a ascensão do movimento feminista, que marcou a história da mulher. Ser mulher e viver de música eram consideradas coisas banais, uma vez que a figura feminina era desvalorizada de forma cruel e, no caso da Bossa Nova, como era uma novidade, foi, aos poucos, conquistando o público, que tinha paixão por música, mas sabia da dificuldade em viver disso.
Agora imagine tudo isso citado acima em forma de série. Imaginou? Pois ela existe e se chama “Coisa Mais Linda”, nova série, 100% brasileira, da Netflix. Pela primeira vez, a Netflix decidiu investir em uma produção mais prolongada sobre o tema, em que será possível explorar, detalhadamente, como eram as vidas das mulheres nos anos 50, no Rio, e como a Bossa Nova entrou, aos poucos, no “gostinho brasileiro”. E adivinha? Por aqui, já assistimos a três episódios completos da série, graças ao convite da Netflix Brasil para a coletiva de imprensa em homenagem às séries nacionais e viemos te contar um pouco sobre o que rolou.
Durante a coletiva, ouvimos todo o elenco e diretores falando sobre os personagens, roteiro, preparação e assuntos abordados. O diretor Caio Ortiz buscou montar uma série contemporânea com Bossa Nova e, durante as pesquisas feitas, viu-se como não estamos tão distantes assim daquela época, visto que muitas situações presentes na série ainda acontecessem hoje em dia, como o machismo, a desvalorização da mulher e a dificuldade em se viver de música. A forma como a Bossa Nova foi apresentada encanta o telespectador e “a série celebra a jornada das quatro mulheres fortes e com propostas incríveis, nos anos dourados do Rio de Janeiro. Um Rio que não existe mais”. Aquele Rio muito idealizado, principalmente nos filmes antigos.
Julia Rezende fala da interlocução coletiva, em que mais de um diretor cria e desenvolve uma produção: “é uma série que tem um cuidado estético de produção – na fotografia, nos cenários e figurinos – que não deixa nada a dever ao cinema. É um produto de grande qualidade”.
Sobre as personagens, podemos dizer que são quatro mulheres incríveis. Maria Casadevall é Maria Luiza, uma menina rica e bancada pelos pais, em São Paulo, que vai para o Rio em busca de liberdade e quer conquistar seu maior sonho: viver de música. Sua história é encantadora, pois vemos uma mulher que era dependente de homens – seu pai e seu marido, que fugiu com todo seu dinheiro – mas que não se contenta em viver nesse mundo conservador e decide seguir seu coração e se apaixona pela Bossa Nova.
A parte mais marcante da coletiva, foi quando Maria falou que “Coisa mais linda seria se todas essas mulheres tivessem a chance de se sentir representadas pelas vozes de outras mulheres e que essas vozes ganhassem cada vez mais espaço dentro da sociedade. Estamos caminhando para isso e a série é um ponto de partida e reflexão relevante dentro desse contexto. Quando temos a chance de falar de outra época, mais facilmente as pessoas se reconhecem e percebem que as mudanças não são tão grandes quanto elas imaginavam”.
Paty Dejesus é Adélia, uma mulher negra, moradora do cortiço e empregada doméstica. Sua personagem, em sua profunda simplicidade e doçura, transmite uma energia muito potente ao público, que se emociona e se encanta com a moça. “Adélia é uma potência. Estamos em 1959, época em que a mulher não tinha quase nenhum poder de fala e muito menos uma mulher negra”, comentou Pathy.
Ela também comentou sobre a força da mulher negra e de como essa força muitas vezes vem da sutileza: “ser forte também está na delicadeza, na sutileza e no choro. É um perigo inventar uma super-heroína e passar por cima das dores. São essas dores que nos fazem mais fortes. Eu só evoluo na diversidade”. O mais interessante foi entender sobre sua preparação para a personagem, pois, segundo a atriz, ela se sente empoderada demais e ter que entrar num lugar onde há pouca oportunidade de fala, como é o caso de Adélia, foi
muito difícil. “A força dela vem da opressão. Ela é uma sobrevivente”, enfatiza.
Mel Lisboa é Thereza, uma mulher bem resolvida, que enfrenta o machismo e não tem medo de expor suas opiniões – e preferências. Ao assistir os três primeiros episódios, percebemos como era difícil – e ainda é – o simples ato de ser ouvida. Thereza trabalha em uma redação de revista e ela é a única mulher dentre os funcionários.
Além de muitas vezes não ser levada a sério, também tem que lidar com o assédio e a falta de respeito com seu trabalho e opiniões. O mais bizarro, e talvez ridículo, é que a revista para a qual ela trabalha publica quadros supostamente feitos por mulheres, que, na verdade, são homens se passando por elas. O machismo dentro das profissões também é explícito, mostrando como o trabalho feminino era pouco valorizado – e ainda é. Mel Lisboa cita na coletiva essa questão das diferenças e fala que “o telespectador vai refletindo que não só ainda temos muitas coisas que acontecem até hoje, como também muitas que já conquistamos”.
Fernanda Vasconcellos é Ligia, uma mulher delicada e apaixonada por música. Seu sonho sempre foi cantar, porém, seu marido, um homem extremamente machista e agressivo, nunca aceitou que sua mulher vivesse disso. Creio que Lígia seja uma das que mais sofrem com opressão porque, apesar de ser rica e “bem casada”, vive um relacionamento quase que abusivo, sem liberdade nenhuma e com violência. Sua personagem é um exemplo de que, na vida, não basta apenas ter dinheiro, é necessário ter espaço, direito de escolha e de voz.
Fernanda comentou que “todas as questões foram discutidas na série de uma maneira delicada, na subjetividade, para que nada fosse um caricato, para o público conhecer melhor essas mulheres” e, realmente, percebemos isso: nada é colocado de forma grosseira ou com insistência, os assuntos são abordados com leveza e realidade.
Os atores Ícaro Silva e Leandro Lima interpretam os personagens Capitão e Chico, respectivamente, e percebemos que os personagens são únicos: eles ouvem as mulheres – um dos assuntos destacados na coletiva. Ao contrário do que vemos em nossa sociedade e na série, os dois rapazes, dentro de suas realidades e gostos, têm paciência e tratam as mulheres da forma como merecem. Talvez sejam os tipos de figuras masculinas que sonhamos ter um dia na política, no trabalho e até em casa, já que, na maioria dos locais citados, a mulher não tem voz. Ser ouvida é o que queremos.
Após passar por esse bate-papo incrível e incentivador, concluo que a série é uma peculiaridade dentro das nossas produções, que antes ofereciam uma proposta diferente da série; “Coisa Mais Linda” vem com uma história delicada – mas que expõe sim a violência contra a mulher – de forma que o telespectador absorve a mensagem ali passada muito rápido, sem voltas e/ou metáforas. Os personagens têm suas histórias bem desenvolvidas, tudo está ali, sem que ninguém precise explicar nada, basta prestar atenção.
Ver uma produção como esta é enriquecedor e dá um pouco mais de esperança, já que ela trabalha com todas as classes e cores da nossa sociedade e será um incentivo para todo o público. É um pontapé para discussões contemporâneas, que precisam ser mais exploradas.
“Coisa Mais Linda” estreia dia 22 de março (sexta), na Netflix Brasil. Assista abaixo o trailer oficial:
“Anna Mellado: Formada em Jornalismo, tem 21 e é completamente apaixonada por arte e entretenimento. Desde pequena assiste às mais variadas séries e filmes e acompanha premiações ao redor do mundo. Sonha em ser uma jornalista de entretenimento, produtora e pretende representar a América Latina mundo afora. Sempre está pronta para escrever uma resenha ou conversar sobre suas séries preferidas.”