Ano passado, eu comentei com uma amiga que eu achava que o Brasil iria voltar a ter uma chance de indicação ao Oscar, quando Walter Salles voltasse a dirigir um filme brasileiro. Verdade que eu sou suspeita para falar de Salles. Ele é um dos meus diretores brasileiros preferidos e seu filme “Terra Estrangeira” (1995), estrelado por Fernanda Torres, está no top 3 de filmes brasileiros da minha vida. Uma obra de arte.
Mas, conhecendo Hollywood como conheço hoje, eu sei que o estilo de direção do Walter Salles, assim como seu currículo (seu filme, “Central do Brasil” recebeu uma indicação ao Oscar e ganhou o Globo de Ouro, em 1998) agradam a indústria e os membros da Academia, ou seja, não era só meu coração de fã que achava que o próximo filme de Walter Salles tinha uma chance na corrida do Oscar, mas minha experiência cobrindo a temporada de premiações nos últimos 12 anos.
Felizmente, eu estava certa, depois de 16 anos, finalmente, Salles voltou ao cinema nacional e sua espetacular obra “Ainda Estou Aqui”, estrelada por Fernanda Torres, teve a sua première mundial no festival de Veneza, aplaudida pelo público, críticos, jornalistas e membros da Academia.
Todas as críticas sobre o filme, uma adaptação cinematográfica do livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, que narra a emocionante trajetória de sua mãe, Eunice Paiva, durante a ditadura militar no Brasil, e a performance de Fernanda Torres (Eunice Paiva), deusa absoluta, e os 5 minutos de tela de Fernanda Montenegro, foram fantásticas, nos mais prestigiados veículos em Hollywood e, assim, “Ainda Estou Aqui” não só é o representante brasileiro na corrida do Oscar, como tem grandes chances de receber pelo menos uma indicação na categoria filme internacional.
Eu tive o privilégio de assistir “Ainda Estou Aqui”, no AFI Fest com a presença de Fernanda Torres e Selton Mello, que apresentaram o filme e também participaram de um papo ótimo e divertido depois da sessão. E, para a alegria do meu coração de fã, consegui não só tirar uma foto com cada um deles, como falar para o Selton Mello que ele tem a melhor conta no Instagram (quem segue ele sabe e quem não segue ainda, deve fazer isso agora). Ele riu e disse que já ouviu isso de outras pessoas. Um ícone.
Com Fernandinha, a emoção só me permitiu dizer que a sua performance foi brilhante e que foi uma honra estar na estreia do filme em LA.
Na introdução, Fernanda lembrou como esse filme é uma história próxima para o diretor Walter Salles, “ele (Walter) gostaria de estar aqui, infelizmente não foi possível, mas o Walter é parte dessa família. Ele morou na França e quando voltou para o Brasil, foram os Paiva que o receberam, ele passou muito tempo com eles, ficaram muito amigos. Então essa história que vocês vão ver é muito importante para o Walter, ele fez com muito carinho e respeito esse filme, assim como todos nós. Espero que gostem”.
E Selton complementou, “a história dessa família reflete um momento político do Brasil que não deve ser esquecido nunca, a ditadura militar e as famílias que sofreram consequências diretas da repressão, esse trabalho é uma forma de manter essa memória viva para que não aconteça mais”.
Ambientada em 1970, a história de “Ainda Estou Aqui” retrata como a vida de uma mulher comum, casada com um importante político, muda drasticamente após o desaparecimento de seu marido, capturado pelo regime militar. Forçada a abandonar sua rotina de dona de casa, Eunice (Fernanda Torres/Fernanda Montenegro) se transforma em uma ativista dos direitos humanos, lutando pela verdade sobre o paradeiro de seu marido e enfrentando as consequências brutais da repressão. O filme explora não apenas o drama pessoal de Eunice, mas também o impacto do regime militar na vida de milhares de famílias brasileiras, destacando o papel das mulheres na resistência. Com uma narrativa profunda e sensível, “Ainda Estou Aqui” traz à tona questões de perda, coragem e resiliência, enquanto revisita um dos períodos mais sombrios da história do Brasil. A obra é um tributo à força de Eunice Paiva, que, contra todas as adversidades, se torna uma figura central na luta pelos direitos humanos no país. Fonte: AdoroCinema
Abaixo os destaques desse papo inesquecível:
O convite para fazer o filme:
Fernanda Torres: “Eu estava fazendo um comédia, na TV, quando o Walter me ligou me convidando para fazer esse filme. Eu não acreditei, perguntei se ele estava falando sério, ele disse que sim. A minha sorte é que ele não assiste TV e não tinha visto o meu trabalho na época, se não ele não teria me convidado para fazer um filme como esse. Risos. Eu aceitei na hora, lógico, porque eu faria qualquer coisa com o Walter, especialmente um roteiro brilhante como esse, mas fiquei aliviada porque se ele tivesse visto a comédia – Risos- talvez não acreditasse que eu poderia ser a Eunice”.
Selton Mello: “O melhor é que eu estava trabalhando com a Fernanda nessa comédia, ou seja, também dei sorte dele ter me convidado, sem ver o que a gente estava fazendo, risos”.
Sobre trabalhar com o Walter:
Fernanda Torres: “Quando a gente fez “Terra Estrangeira”, éramos jovens, aventureiros. Walter entrava no carro comigo, dirigia como um louco, segurando a câmera, fizemos loucuras. Mas interessante que nesse filme, eu senti como ele amadureceu como diretor. Eu também, claro, mas foi um set muito mais calmo, mais tranquilo, que reflete a segurança dele mesmo. Apesar das cenas difíceis, porque é uma história triste, a filmagem foi leve, pelo clima de amizade e tranquilidade que o Walter criou. E eu também sou uma pessoa mais calma do que era há 29 anos. Risos.”
Selton Mello: “Realmente o set foi muito divertido, apesar do tema pesado do filme.
Eu comecei a atuar quando era criança, e nesse projeto o elenco jovem é fundamental para o sucesso do filme, então eu compartilhei com eles a minha experiência trabalhando como ator quando eu tinha a idade deles. E as crianças e os jovens trazem um frescor ao set, a alegria da primeira vez, sem vícios, eles são autênticos, sinceros, e ter eles lá inspirou a gente e nos ajudou.”
Fernanda Torres: “Sem dúvidas, a gente aprendeu mais com eles do que eles com a gente. E o Selton é muito bom com a garotada. Ele fez questão de deixar todo mundo confortável e isso é essencial.”
Selton Mello: “Eu sou fã dessa turminha. Acho que o clima do nosso set, comandado pelo gênio Walter Salles, refletiu um tanto das atitudes da própria Eunice em relação ao desaparecimento do marido e como ela decidiu lidar com isso para manter a família unida, seguir criando os filhos. Foi essencial a gente manter o alto astral.”
Histórias dos Bastidores:
Selton Mello: “A gente rodou o filme cronologicamente, o que pra mim foi interessante porque quando o meu personagem é sequestrado, minha participação como Rubens acaba e eu fui embora do set, eu não estava lá para o resto do filme. Então quando eu vi pela primeira vez, eu senti a emoção do público ao ver a performance da Fernanda, da garotada, eu sofri e sorri com eles. Foi muito profundo pra mim.”
Fernanda Torres: “Foi muito importante pra gente rodar o filme cronologicamente. Foi uma decisão acertada do Walter porque quando o Selton saiu a gente sentiu a falta dele, ficou aquele vazio, o mesmo deixado pelo Rubens. E isso nos ajudou a viver a trajetória como família, com a diferença que depois a gente matou as saudades do Selton. Risos.”
O Roteiro:
Fernanda Torres: “Esse filme combina vários gêneros e isso que me chamou mais atenção. Porque sim, é um drama, mas também é político, tem momentos de terror, mas tem momentos alegres. É a história de uma família que sofreu uma perda abrupta e uma mãe que, como muitas, fica sozinha pra criar os filhos. As circunstâncias do desaparecimento do pai são políticas, mas o filme é como sobre sobreviver diante das dificuldades da vida. E essa mulher foi firme e conseguiu segurar as pontas.”
Sobre a Eunice:
Fernanda Torres: “Foi fascinante interpretar essa mulher tão real, tão controversa, e imperfeita, porque a decisão dela de não contar para os filhos que o marido morreu, foi questionável. Ao mesmo tempo, ela sozinha segurou as pontas daquela família, foi estudar, trabalhar, sem nunca ter tido necessidade de fazer isso antes. Uma mulher de muita fibra e determinação. Admirável em muitos sentidos. E ela nunca desistiu de lutar pela certidão de óbito do marido, uma coisa que pode parecer estranha, mas para ela foi uma grande conquista, um momento de felicidade, como é para as pessoas que perderam um ente querido na ditadura militar. Eunice era uma guerreira e eu trabalhei muito para fazer jus a sua trajetória.”
Selton Mello: “E você fez isso de forma brilhante.” Aplausos da plateia.
As fotos
Fernanda Torres: “Como o Walter é praticamente parte da família, a gente teve acesso a todo o arquivo pessoal deles, e às fotos. Inclusive nós reproduzimos as fotos exatamente como elas foram tiradas. Isso foi muito importante para o Walter, o cuidado com todos os detalhes para honrar a família, suas memórias. E pra gente foi ótimo, porque nada melhor para entrar no personagem do que ter esse material à nossa disposição.”
Selton Mello: “Interessante que as pessoas naquela época não tiravam tantas fotos, como a gente faz hoje em dia, já que temos a câmera na mão, em nossos telefones o tempo todo. Nos anos 70, dava mais trabalho, tínhamos que revelar. Mas essa família gostava de tirar fotos e a Eunice guardou tudo, assim como os filhos. Esse material é precioso. Ajudou muito mesmo.”
A equipe:
Selton Mello: “Todo mundo que trabalhou nesse filme sabia como era um projeto pessoal do Walter, então todo mundo abraçou como um projeto seu. E o resultado está na tela. Rodamos em filme, que já dá um outro tom a história. Além disso, a edição foi muito caprichada, assim como o figurino, a caracterização, a produção de arte e, claro, a trilha sonora que marca a história do Brasil.”
Dona Fernanda:
Fernanda Torres: “Falando em caraterização, teve um crítico italiano que escreveu que a maquiagem da Eunice, nas cenas finais, foi perfeita. Ele não sabia que era a mamãe. Risos! Mas valeu o elogio.”
Os cinco minutos que Fernanda Montenegro aparece na tela, sem diálogo, são uma aula de atuação. Delícia também ver minha amada Marjorie Estiano, nessa obra imperdível.
Fernanda, Selton e Walter Salles estão firmes fazendo campanha para o Oscar, participando de vários eventos e papos em sessões exclusivas para os membros da Academia e outros sindicatos que votam nas principais premiações, como o Globo de Ouro e o Film Independent (eu voto no Spirit Awards!). Ou seja, não só Walter Salles é um diretor experiente e nome de peso em Hollywood, como ele e o elenco estão empenhados em divulgar o filme com toda a dedicação que uma campanha do Oscar exige. Temos chances grandes de descolar essa indicação dia 17 de janeiro. Até lá seguimos torcendo e divulgando o filme por aqui.
“Ainda Estou Aqui” estreia dia 7 de novembro nos cinemas de todo o Brasil.