“O ator tem a capacidade de emocionar e por isso também acredito que ele tenha a capacidade de transformar a sociedade. É uma responsabilidade linda.”, me disse Ana Rios, que em ‘Malhação’ interpretou a Barbara, em nossa entrevista exclusiva pelo telefone.
Sua personagem era uma menina engajada em vários projetos sociais, assim como a própria Ana, inteligente e super articulada, é uma daquelas pessoas que leva a sério sua missão de ativista feminina, que começou na adolescência, mas não só para conquistar seguidores e admiradores nas redes sociais, Ana Rios é gente que faz.
Uma das organizadoras do “Toplessaço”, uma campanha para que a prática do topless deixe de ser crime de atentado ao puder no Brasil, e seja vista como natural, Ana, juntamente com sua prima a roteirista Clarice Rios, está a frente do projeto “Meu Corpo Não É Seu”.
“Depois do caso Valentina, a menina de 12 anos, participante do programa “Master Chef Junior” que foi assediada por pedófilos no Twitter, eu comecei a compartilhar os meus primeiros assédios e muitas meninas também, foi uma catarse, ou o que chamam “cura coletiva”. Não se comenta muito sobre este assunto e quando todo mundo resolveu começar a falar disso, muitas meninas aproveitaram para contar as coisas horríveis que tinham acontecido com elas e a partir desses relatos surgiu a ideia de juntar a realidade com a ficção, e nasceu o “Meu Corpo Não É Seu”, conta Ana.
Filha do diretor da TV Globo, Luiz Henrique Rios, com quem eu tive o prazer de trabalhar na primeira novela que fiz na Globo, “O Beijo do Vampiro”, Ana comentou sobre a reação do pai ao ouvir sobre seu primeiro assédio: “Quando postei meu primeiro assédio, meu pai me ligou muito comovido, e perguntou porque eu nunca tinha contado pra ele, eu contei pra minha mãe e pensei que ela tivesse dito a ele, mas ele não sabia mesmo.”
Ana está fazendo a diferença ao tocar em assuntos que além de não serem abordados com frequência, ainda são considerados tabu. Mas ela destaca a importância das jovens tomarem as rédeas do seu próprio relacionamento amoroso, “precisamos questionar: será que algum namorado forçou uma barra comigo? Fez ou falou alguma coisa que passou dos limites? Não precisa ser um estupro, a gente passa por situações como esta em nosso próprio relacionamento amoroso. E precisamos aprender a deixar a insegurança de lado e tomar as atitudes para nos defender”, diz Ana.
Agora, como fazer para construirmos um mundo em que as mulheres não tenham medo dos homens?
“Um amigo meu estava fazendo uma viagem pelo mundo e me contou que chegou numa cidade sem lugar para ficar e um rapaz de moto parou na rua e ofereceu o quarto de hóspedes da casa dele para ele passar a noite. Numa boa, de amigo mesmo. Mas se isso acontecesse comigo eu ia sair correndo, imagina um cara desconhecido para e me oferece um quarto na casa dele? Para as mulheres há muito mais chance de ser um assédio sexual do que uma atitude cordial. A gente aprende isso desde criança em casa, não tem jeito”, diz Ana, e continua contando sua experiência como parte de uma família com dois irmãos homens:
“Minha mãe mesmo, que sempre educou meus dois irmãos e eu de forma igualitária, tinha situações na adolescência que ela dizia que eu não podia ir a determinados lugares que meus irmãos iam, eu não entendia, ficava revoltada. Demorei a perceber que era uma imposição do gênero, não um problema da minha mãe. Eu achava injustiça quando eu era adolescente, mas agora mais madura eu acho que ela estava me protegendo mesmo.”
O que mais me encantou no papo com Ana Rios, foi que ela faz parte daquele grupo de artistas que aproveitam a oportunidade e o poder que tem não para fazer campanhas publicitárias e licenciar produtos com seu nome, mas especialmente para contribuir com a educação do público que os seguem e admiram seu trabalho.
“Eu trabalho com público jovem, tenho muitos fãs de 11 a 13 anos, justamente a idade que o corpo da gente muda, por isso é tão importante focarmos neste assunto. Nesta idade é muito difícil responder a este tipo de assédio, pois ainda rola muita insegurança, a maior parte dos assédios que recebi foram justamente nesta fase da minha vida, entre 12 e 14 anos. Por isso, me sinto muito feliz de participar de projetos importantes que estão influenciando positivamente a vida de outras pessoas. É como se eu fosse uma formiguinha que tivesse carregando os tijolos pra construir um mundo melhor.”
E complementa, “nada contra quem aproveita o poder da mídia para vender esmalte, eu mesma pinto a unha toda a semana, mas a gente acha que pode ir mais longe, mais profundo. Eu acho que muitos atores e atrizes jovens pelo mundo afora tem aproveitado a voz que têm para levantar bandeiras importantes, inspiradoras, isso é maravilhoso.”
Ana Rios dá continuidade a sua missão ao se juntar a outras atrizes de ‘Malhação, Isabella Santoni, Maria Joana, Bruna Hamu na produção de um espetáculo que mistura história das próprias atrizes e dos fãs, como ela explica: “nós temos o privilégio de saber quem é o nosso público, e que estão dispostos a nos ouvir, e é importante porque eles são a próxima geração, e nós gostaríamos de aproveitar o poder que temos de ter um canal com essa turma e dar uma voz ao nosso público também, estamos recebendo as cartas que podem ser anônimas ou o remetente pode assinar, depende da pessoa. Pedimos que nos contem a sua história, ou a história que a pessoa quiser contar, triste, engraçada, algo que você passou, a história da sua mãe, ou de uma amiga. O que vamos fazer é uma coletânea dessas histórias, pode ser que a de uma pessoa não entre completamente, mas podemos selecionar trechos ou mesmo um nome engraçado. O roteiro do espetáculo será baseado nessas cartas. A gente estreia depois do carnaval, vamos fazer uma turnê no maior numero de cidades possíveis pelo Brasil afora e depois faremos uma temporada curta em São Paulo. No segundo semestre a gente estreia no Rio.”
E finalmente, pergunto a Ana o que ela acha do glamour da indústria do entretenimento, ela abre o jogo: “a indústria é feita de pessoas, mas ela se vende como uma coisa irreal, na verdade nos atores trabalhamos muito, mas tem esses dias que você veste roupas lindas e as pessoas te maquiam e você vai curtir as festas, isso é ótimo, lindo, e é o que eles vendem, mas não é só disso que a gente vive, a verdade é que a gente rala e muito.”
Para encerrar esta conversa cheia de conteúdo, Ana confessa: “Acho inclusive que os atores têm muito poder, até demais, deveriam ter mais vozes, não tao pouca gente com uma voz. Mas isso pra indústria é difícil, torna pouco vendável, mas a gente quer dar voz a mais gente.”
É isso que ela está tentando fazer através de projetos como “Meu Corpo Não É Seu” e seu novo espetáculo de teatro, dar voz a pessoas como você. Aproveite e mande o seu depoimento para ela, sua história pode virar parte de uma peça de teatro e mudar a vida de outras pessoas. Mande sua carta para:
Caixa Postal: 16110 CEP: 22221-971
Rio de Janeiro, RJ
Ana Rios:
Se inscreva no canal: “Meu Corpo Não É Seu”
Mais sobre o Toplessaço, projeto criado por Ana Rios em 2013: “Novo toplessaço reúne musas na Praia de Ipanema”