Se eu fosse atriz, eu gostaria de trabalhar com o Sean Baker. O cineasta, rei do indie, que fez obras como “Tangerine” e “Projeto Flórida”, volta à temporada de premiações com mais uma obra singular. “Anora”. Estrelado pela fantástica Mikey Madison, o filme venceu a Palma de Ouro, o prêmio mais prestigiado em Cannes, esse ano.
Em “Anora”, longa dirigido, escrito, editado e produzido por Sean Baker, que também escalou o elenco, acompanhamos a jovem Anora (Mikey Madison), uma trabalhadora do sexo da região do Brooklyn, nos Estados Unidos. Em uma noite aparentemente normal no trabalho, a garota descobre que pode ter tirado a sorte grande, uma oportunidade de mudar seu destino: ela acredita ter encontrado o seu verdadeiro amor após se casar impulsivamente com o filho de um oligarca, o herdeiro russo Ivan (Mark Eidelstein). Não demora muito para que a notícia se espalhe pela Rússia e logo o seu conto de fadas é ameaçado quando os pais de Ivan entram em cena, desaprovando totalmente o casamento. A história que ambos construíram é ameaçada e os dois decidem em comum acordo por findar o casamento. Mas será que para sempre? Fonte: AdoroCinema
Quem acompanha o Hollywood é Aqui, sabe que sou fã de Baker, mas dessa vez, o cineasta se superou. Eu tive o prazer de assistir “Anora”, em uma sessão especial que contou com a presença de Mikey Madison, em LA. E fui privilegiada também por assistir o painel do filme, onde além de Mikey estavam também Sean e Mark Eidelstein, no Deadline Contenders, evento que faz parte da campanha do Oscar.
O filme é bárbaro e confesso que superou todas as minhas expectativas, muito também pela performance autêntica de Mikey e de todo o elenco, e da forma respeitosa e sensível com que todos os envolvidos trataram as trabalhadoras do sexo. Uma aula de roteiro, direção e edição do mestre e de atuação, especialmente dessa jovem atriz, que conquistou Hollywood.
Destaco abaixo os melhores momentos dos meus encontros com esse grupo de artistas talentosos. Sai do cinema inspirada!
Mikey Madison
Sobre o projeto e trabalhar com Sean Baker:
“Quando o Sean me convidou para fazer a Anora, eu tremi. O roteiro era apaixonante, mas eu nunca tinha feito nada parecido.Então foi um processo, pois eu pesquisei muito, estive com meninas que fazem esse trabalho e aprendi “pole dance” com uma coreógrafa. No filme só tem um pedacinho, mas a gente gravou uma sequência grande e pole dance não é nada fácil. Mas o Sean é muito colaborativo. Nas nossas primeira conversas, ele me pediu para dar dicas, sugestões, opiniões, ele abriu a porta pra mim. Mas no início, eu estava tímida. Até que resolvi dar uma ideia para uma cena e ele foi realmente muito receptivo, muito querido. Se eu sentia que o diálogo não estava fluindo bem, eu falava com ele e ele mudava o diálogo na hora. Eu nunca tinha trabalhado com um diretor, roteirista tão parceiro. Foi incrível e isso facilitou muito os dias difíceis. Porque o desgaste físico foi grande, tem muitas cenas de ação, como vocês viram, foram meses também treinando o pole dance e eu queria fazer tudo, não queria uma dublê, para realmente entrar na realidade da personagem, inclusive no sotaque dela que é bem diferente do meu. Contei com estudei a ajuda de uma coach para aprender o dialeto de Nova Jersey. Além disso, tive a ajuda de uma garota de programa sensacional, que foi a nossa consultora, e isso foi fundamental. Eu amei. Foi um trabalho coletivo de verdade.”
A cena mais difícil:
“Ah, com certeza foi a última cena. A gente tentou de várias formas. Acabamos rodando ao longo de alguns dias. Foi uma experimentação, e foi difícil pra mim encontrar o tom certo para o clímax do filme. Eu não estava conseguindo, o que me ajudou foi uma mensagem de voz antiga que eu tinha recebido do meu pai, que era sobre um outro assunto, mas tocava no ponto de porque eu queria ser atriz. Eu ouvi a mensagem e coloquei toda a emoção do que eu ouvi na cena. Ai eu acho que consegui passar o que a Anora estava sentindo. E, em todo esse processo o Sean mais uma vez foi incrível, paciente e muito parceiro.”
Sean Baker:
Sobre o projeto:
“Faz tempo que eu e um dos atores do filme, que é armênio/estadunidense, casado com uma russa/estadunidense, falamos sobre a possibilidade de fazer um filme sobre essa comunidade, na área de Coney Island. Demorou uns 17 anos, mas finalmente esse filme aconteceu.”
Sobre a escalação do elenco:
“Eu geralmente escalo o elenco dos meus filmes e eu vi a Mikey em ‘Once Upon a Time in Hollywood’ e achei que ela roubou a cena nos últimos 15 minutos do filme e fiquei com ela na cabeça. Ai eu fui ver “Scream”, na semana que abriu e, quando sai do cinema, falei pra minha esposa, que é produtora de ‘Anora’, vamos ligar pro empresário dela agora, para convidar ela pra ser a Annie. Foi uma combinação das duas performances dela que me encantaram. E fico muito feliz que ela tenha topado.Já o Mark, foi o Yuriy Borisov, que faz o Igor, que me deu a sugestão de convidar o Mark. Mas, a história é engraçada. Eu vou deixar ele contar pra vocês.”
Mark Eidelstein
“O Yuriy falou comigo sobre o filme, mas eu não sabia quem era Sean Baker. De qualquer maneira, eu queria fazer, lógico. A equipe me mandou o roteiro em inglês, e eu fiquei nervoso (o ator é russo e inglês não é seu idioma natal), e perdi todos os prazos de mandar meu teste pra eles, porque eu não estava conseguindo decorar tudo em inglês. Ai eu decidi fazer metade em inglês e metade em russo. Eu mudava toda hora, mas saiu. E como o personagem era rico e tinha roupas chiques e eu não tenho roupas chiques, eu resolvi fazer o teste pelado.”
*Gargalhadas da plateia e de Sean Baker*
“Pois é, eu achei melhor. Ainda bem que eles gostaram.”
Sean Baker
“Foi o teste de elenco mais inusitado que já recebi até hoje, mas valeu. Estamos aqui.”
Mikey Madison
“Eu estou tão grata que o Sean me convidou para fazer an Annie e eu nem precisei fazer um teste nua para a personagem.”*Mais risos*
Sobre o filme:
“Esse filme é tudo pra mim, mudou a minha vida. Foi muito especial pra mim trabalhar com a comunidade de garotas de programa, aprendi muito. Eu acho que a Annie é incrível, complicada, humana. Esse tipo de personagem não aparece sempre, me sinto honrada de ter tido a chance de dar vida a ela. Foi um presente.”
Sean Baker
O balanço entre a tragédia e o humor:
“O filme é um drama trágico, mas eu tentei colocar um pouco de humor na estória, porque a vida real é um balanço entre drama e humor. Se você está fazendo um filme sobre a vida, a gente tem que ter humor também, e nesse caso, a performance dos atores ajudou a elevar a qualidade desse material.”
Mark Eidelshtein
Sobre seu personagem Ivan:
“Foi muito importante pra mim e pra todo mundo, que o Sean nos deu muita liberdade pra criar e tentar coisas diferentes das sugeridas no roteiro. Isso ajudou a tornar a minha performance mais natural. E eu e Sean conversamos bastante sobre o Ivan. No começo ele é bacana e aí o jogo vira, mas no fundo ele é uma pessoa muito solitária. Eu estou impressionado que agora eu recebo mensagens no Instagram, dizendo que o Ivan é um imbecil que magoou a Anora. As pessoas me xingam mesmo. Mas queria só pedir pra galera pegar leve porque eu não sou assim.”
*Gargalhadas*
Sean Baker complementou:
“Na verdade, a ideia desde o início era que o Ivan conquistasse o público e que o público se sentisse traído, como Anora se sente. E só conseguimos sucesso graças à performance brilhante do Mark.”*Aplausos*
Anora é uma aula de cinema. Em todos os aspectos, o roteiro, a direção, as performances, o comprometimento com a realidade, que é caótica, dramática, engraçada, exacerbada por esse filme que foi rodado em 35mm (filme, não digital) e como Sean Baker disse, “Anora é um filme feito pra ver no cinema, numa tela grande”.
Fica a dica desse cineasta excepcional, que segue prestigiando a indústria do cinema independente.
Enquanto isso, eu torço para que Anora receba as indicações ao Oscar, pois também é uma forma de popularizar os filmes indies, aqueles que contam estórias e histórias relevantes, sobre minorias, como as garotas de programa, com baixo orçamento e empregam profissionais criativos que pensam fora da caixinha. Mais do que nunca, com o cenário político do mundo atualmente, inclusive dos EUA que está retrocedendo, precisamos de mais filmes assim.
Anora, estreia dia 23 de janeiro no Brasil.